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Marcas de luxo são acusadas de trabalho escravo na Índia

O New York Times revelou segredos obscuros por trás de cadeia de bordados usada por etiquetas de luxo, como Gucci, Saint Laurent e Dior

atualizado

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Dior/Reprodução
Bordado dior
1 de 1 Bordado dior - Foto: Dior/Reprodução

Bordados, brocados e aplicações são delicadamente incluídos em roupas de maneira muito específica. A técnica milenar de bordar peças à mão ganha destaque na Índia, onde é passada de geração para geração. As linhas em materiais nobres dão origem a nó, correntinha ou cruzado, mas a nomenclatura varia dependendo da região e da espessura das agulhas. Em 1980, grandes marcas de luxo enxergaram o valor dessa tradição e passaram a terceirizar esses trabalhos manuais em território indiano. 

O país recebe uma grande quantidade de itens de todo o mundo para dar esse fino trato. O valor da peça acaba aumentando pelo delicado trabalho manual agregado, mas a exploração da prática diminui os direitos dos artesãos locais. O The New York Times investigou as origens de itens adornados e denunciou serviços que escravizam grande parte da população na Índia. 

A reportagem investigativa foi publicada na última quarta-feira (11/03) e detalhou as condições de trabalho precárias as quais os artesãos indianos são submetidos durante a produção de centenas de roupas para diversas etiquetas de luxo – entre elas, Saint Laurent, Gucci e Dior. Os funcionários recebem cerca de US$ 20 por dia, referente a 17 horas de trabalho, sem contar as diárias extras feitas antes do início das semanas de moda. 

Homem com jaqueta jeans
O bordado agrega valor à peça, como esta jaqueta jeans da Gucci

 

bolsa bordada
Bolsa do modelo Saddle Bag, da Dior, adornada com brilho

 

As marcas citadas fazem parte de dois grandes grupos da moda, Kering e LVMH, donos das principais labels de luxo do planeta. Paradoxalmente, as holdings apresentam programas de sustentabilidade direcionados a práticas corretas. Inclusive, no ano passado, o conglomerado francês Kering foi considerado a segunda companhia global mais sustentável do mundo.  

Contudo, os fornecedores não aparecem em listas de transparência, representando um lado obscuro na moda. Com a quantidade de peças que precisam ser produzidas, as fábricas das etiquetas não confeccionam internamente todas as coleções e terceirizam as demandas.  

Diversos ateliês se concentram em Mumbai, na costa oeste indiana. Na região, muitos espaços operam diariamente de acordo com as leis trabalhistas locais. Nesse cenário, as marcas de luxo se conectam a artesãos locais. Assim como acontece nas redes de fast fashion, durante o processo de terceirização das produções, parte das fábricas acabam direcionando as coleções para confecções independentes, com a finalidade de bordar e finalizar as roupas.

Funcionários trabalham em condições precárias nas oficinas para entregar as peças de vestuário luxuosas. O veículo norte-americano chegou a visitar alguns locais e relatou circunstâncias análogas ao trabalho escravo.

Em um dos ambientes, grades cercam as janelas, não há saída de emergência e trabalhadores dormem no chão enquanto o expediente do dia seguinte não começa.

“Devido aos preços altos dos produtos, há uma sensação de que as marcas de luxo devem estar fazendo o que é certo, e isso as tornam imunes ao julgamento público”, comentou Michael Posner, professor de ética e finanças da Stern School of Business da Universidade de Nova York, em entrevista ao NYT.

“Apesar dos valores dos produtos de luxo, as condições nas fábricas podem ser tão ruins quanto as encontradas nas confecções de peças para o fast fashion“, complementou o especialista. 

Vestido bordado
Detalhe de aplicação em vestido

 

Bolsa bordada
Bordado em bolsa

 

Bordado
Detalhe de textura feita à mão

 

Suéter bordado
Suéter com adornos

 

Segundo a fundação India Brand Equity, a Índia é um dos países que mais exporta itens de vestuário no planeta. Os artesãos locais têm o trabalho reconhecido mundialmente pelo bordado minucioso, com técnicas herdadas de gerações. Atualmente, o cargo muitas vezes é ocupado por imigrantes muçulmanos que saíram da zona rural para Mumbai.

Peças icônicas entre os fashionistas foram produzidas em Mumbai. O vestido bordado usado por Jennifer Lopez no encerramento do desfile da Versace é uma delas.

Segundo o NYT, glamourosas produções que riscaram tapetes vermelhos foram produzidas na Índia. Vestidos elencados por celebs como Lady Gaga e Lupita Nyong’o para prestigiar premiações estão na lista.

Na denúncia feita pelo jornal, também estão os modelos da saddle bag da Dior com adornos metalizados. Itens das criações do estilista Alessandro Michele para a Gucci também tomaram forma na região, principalmente os bordados com tigres e borboletas. A publicação norte-americana afirma que todos os artigos de luxo citados foram confeccionados em condições precárias.

Jennifer Lopez com vestido verde
Jennifer Lopez com vestido Versace durante o Milão Fashion Week
 Utthan

Diante do aumento na produção de peças na Índia desde 1980 para as casas de luxo, o projeto Utthan estipula leis trabalhistas no país a partir de 2014. Idealizada pela empresa de consultoria Impactt, a iniciativa assegura condições dignas aos bordadeiros indianos nas confecções.

No início, LVMH, Kering e as etiquetas Burberry e Mulberry chegaram a embarcar no plano, que propôs mudanças nas fábricas instaladas em Mumbai. Entre elas, salário padrão, acesso à saúde e horários fixos de trabalho sem adicional de turnos extra.

No entanto, durante a produção da matéria do NYT, com visitas às fábricas de confecções, o jornal entrevistou cerca de 30 artesões e gerentes dos ateliês. Na publicação, o veículo afirmou que diversos grupos de artesões indianos ainda trabalhavam em locais inapropriados, sem segurança, e não seguiam as regulamentações exigidas pelo Utthan.

Costureiras indianas
Costureiras indianas

 

Mulher no plantil
Plantio na Índia para marca que atende ao projeto Utthan

 

Bordadeiras indianas
A iniciativa assegura condições dignas aos funcionários indianos

 

O LVMH se manifestou depois da divulgação da matéria. “Levamos as acusações feitas com muita seriedade, mas não podemos comentar sem ter mais detalhes e uma investigação completa”, respondeu o conglomerado de luxo.

Em resposta ao site, um porta-voz do grupo Kering admitiu as condições de trabalho: “Reconhecemos que a situação de alguns trabalhadores no nível de subcontratação ainda está muito longe de ser satisfatória. Hoje, estamos genuinamente determinados a fortalecer o programa com nossos parceiros interessados, acelerar o progresso e melhorar ainda mais a situação atual”, afirmou. 

Há duas semanas, o Kering publicou relatório comunicando a intenção de abrir uma fábrica na Índia para diminuir o processo de terceirização durante a execução das peças de moda. A ideia é dar suporte à demanda de bordados das marcas que pertencem a holding.

No mesmo pronunciamento, um funcionário confirmou que a gestora pretende apoiar o Utthan. Ainda em 2020, a empresa passará a priorizar colaboradores que atendem às exigências de trabalho impostas pelo programa, a fim de evitar explorações na mão de obra.

Procurado pelo NYT, o consultor de Mumbai Pankaj Attarde evidenciou a importância de reconhecimento do trabalho feito pelos artesãos na Índia, principalmente as condições de trabalho a que são submetidos para exercerem a arte milenar. 

“Precisamos trazer transparência e justiça ao sistema, para que esse setor sobreviva”, afirmou. “Se a conformidade é melhorar a vida dos trabalhadores, por que o Utthan é secreto até agora?”, questionou o especialista, apontando que o projeto não é divulgado pelas grandes etiquetas. 

 

Colaborou Sabrina Pessoa

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