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Após exoneração, ex-controlador lista problemas nas contas do DF

Aldemario Castro também pediu a implementação do decreto que obrigada órgãos a cadastrarem os contratos em um sistema eletrônico

atualizado

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Myke Sena/ Especial para o Metrópoles
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Exonerado do cargo de controlador-geral do Distrito Federal em 10 de fevereiro, Aldemario Araújo Castro listou, em texto divulgado nas redes sociais, os principais problemas das contas do Governo do Distrito Federal (GDF).

“Não são mazelas relacionadas com nenhum governo específico. São práticas e costumes recorrentes estabelecidos e alimentados como ‘normais’ em vários governos da capital do país”, ponderou o procurador da Fazenda.

Castro citou o volume de pagamentos sem cobertura contratual. Em 2017, de acordo com ele, as despesas do GDF sem lastro chegaram a quase R$ 700 milhões.

“Demonstram, dependendo da magnitude, uma desorganização inaceitável da máquina administrativa pública. Por essa via, os comandos constitucionais e legais, relacionados com as licitações e contratações públicas, são sumariamente ‘esquecidos’”, escreveu o ex-controlador do DF.

No texto, ele também fala sobre irregularidades na Secretaria de Saúde. Segundo o ex-controlador-geral do DF, após decisão do Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF), foi apurado que 125 servidores da pasta integravam os quadros societários de 72 empresas fornecedoras de bens e serviços.

“Os valores movimentados nesses contratos ultrapassam R$ 600 milhões entre os anos de 2000 e 2018, em frontal violação à Lei de Licitações e à Lei de Improbidade Administrativa”, afirmou.

Castro encerra o texto falando da implementação do Decreto nº 40.447/2020, que fixa o dia 28 de fevereiro como prazo final para os órgãos e as entidades do DF cadastrarem contratos administrativos, termos aditivos e de rescisão no e-Contratos.

Além disso, a norma condiciona os pagamentos dos contratos ao cadastramento e atualização no sistema eletrônico.

“Essas providências, importa ressaltar, ao aumentarem significativamente os níveis de organização e controle, retiram oxigênio dos expedientes e mecanismos escusos que prosperam na administração pública”, afirmou o ex-controlador do DF.

No fim do texto, Aldemario pede que o novo comando da Controladoria fiscalize a implementação do decreto. “Somente sua efetivação no plano dos atos administrativos concretos viabilizará que a administração pública do Distrito Federal possa trilhar, de forma generalizada, e não parcial como hoje, os caminhos da regularidade e da eficiência”, conclui.

Procurador da Fazenda Nacional, Aldemario estava no comando da Controladoria-Geral do DF desde o início da gestão Ibaneis Rocha (MDB). Com a saída dele, o auditor do Tribunal de Contas da União (TCU) Paulo Martins assumiu a titularidade da CGDF.

À Grande Angular, Aldemario afirmou que as declarações “não têm nenhuma relação” com sua exoneração. “Trata-se de um texto no qual destaco um decreto que foi trabalhado pela Controladoria e Economia. Sendo implementado, pode reduzir significativamente os recorrentes problemas com licitações, contratações e pagamentos no GDF.”

Confira a íntegra do texto:

PERSPECTIVAS DE SIGNIFICATIVAS MUDANÇAS NA GESTÃO ADMINISTRATIVA DO DISTRITO FEDERAL

Aldemario Araujo Castro
Advogado
Mestre em direito
Procurador da Fazenda Nacional
Brasília, 15 de fevereiro de 2020

Nos últimos anos (ou décadas), a Administração Pública do Distrito  Federal convive com gravíssimos problemas de gestão. Não são mazelas  relacionadas com nenhum governo específico. São práticas e costumes recorrentes estabelecidos e alimentados como “normais” em vários governos da capital do País. Eis alguns exemplos significativos:

a) pagamentos sem cobertura contratual. Demonstram, dependendo da magnitude, uma desorganização inaceitável da máquina administrativa pública. Por essa via, os comandos constitucionais e legais, relacionados com as licitações e contratações públicas, são sumariamente “esquecidos”. Em 2017, as despesas do Distrito Federal sem lastro contratual chegaram a quase 700 (setecentos) milhões de reais;

b) por força da Decisão TCDF n. 27/2017, foram apuradas no âmbito da Controladoria Setorial da Saúde um conjunto de 125 servidores da Secretaria de Saúde que integravam os quadros societários de 72 empresas fornecedoras de bens e serviços para o Poder Público distrital. Os valores movimentados nesses contratos ultrapassaram R$ 600 milhões entre
os anos de 2000 e 2018 em frontal violação à Lei de Licitações e à Lei de Improbidade Administrativa; c) quantidade anormal de contratos emergenciais por conta de sérias
falhas no planejamento dos processos licitatórios e toda sorte de entraves administrativos;

d) quantidade excessiva de tomadas de contas especiais relacionadas com episódios de ressarcimentos ao Erário em função de prejuízos causados;

e) profundas deficiências na elaboração ou acatamento de projetos, notadamente de obras de grande porte;

f) ausência generalizada, com honrosas exceções, do mapeamento de rotinas e processos de trabalho. Prevalecem, para a prática de atos administrativos, em especial aqueles que resultam em serviços prestados ao contribuinte, a memória dos servidores públicos ou registros informatizados de ordem pessoal. Ademais, a indesejável informalidade permitiu e permite a existência de vários expedientes voltados para burlar os comandos constitucionais e legais em clara ofensa à legalidade e à moralidade.

No dia 6 de fevereiro de 2020 foi editado o Decreto n. 40.447. Trata-se, na minha ótica, da mais importante medida de organização da gestão administrativa nos últimos anos no âmbito do Governo do Distrito Federal. O referido decreto:

a) fixa o dia 28 de fevereiro de 2020 como final do prazo para os órgãos e entidades do Distrito Federal, com algumas pouquíssimas exceções, cadastrarem contratos administrativos, termos aditivos, apostilamentos e termos de rescisão no sistema informatizado denominado e-Contratos/DF;

b) o e-Contratos/DF contempla os seguintes módulos: cadastramento, administração e encerramento dos contratos, de forma integrada com o Sistema Integrado de Gestão Governamental (SIGGo);

c) o pagamento dos contratos no SIGGo está condicionado ao cadastramento e atualização do instrumento contratual no e-Contratos/DF;

d) será obrigatória a utilização do Sistema de Gestão de Compras Governamentais (e-Compras/DF) e do Sistema de Gestão de Suprimentos (e-Supri/DF), a partir de suas implementações;

e) as autoridades dos órgãos e entidades que não utilizarem o e-Contratos/DF estão sujeitas às sanções disciplinares dispostas na Lei Complementar n. 840/2011.

Não estamos simplesmente diante mais um diploma legal que impõe a utilização de mais um sistema informatizado nas atividades desenvolvidas no seio da Administração Pública. Primeiro, o uso intenso da tecnologia para equacionar os mais relevantes entraves nas áreas pública e privada é algo observado em escala mundial. Ademais, a tecnologia será utilizada da forma mais inteligente possível. A “trava” dos pagamentos (no sistema SIGGO), condicionando a existência do contrato no sistema e-contratos, é o “pulo do gato” para a formação de um cadastro com todos os ajustes
dessa natureza realizados pelo Distrito Federal. Com todos os contratos devidamente registrados, as atividades de planejamento dos processos licitatórios e de acompanhamento da execução atingem outro patamar de eficiência com profundos reflexos positivos para o cidadão no plano da prestação de serviços públicos. Não custa lembrar Lawrence Lessig, um dos pioneiros na análise das relações entre o direito e as novas tecnologias, ao afirmar que “o código [o software] é a lei”. Essas providências, importa ressaltar, ao aumentarem significativamente os níveis de organização e controle, retiram oxigênio dos expedientes e mecanismos escusos que prosperam na Administração Pública.

A Controladoria-Geral do Distrito Federal (CGDF) esteve presente nos debates para formatação desse importantíssimo diploma legal e prestou inestimável apoio à Secretaria de Economia no atingimento de sua redação final. Essa foi uma das minhas últimas atuações de maior fôlego no honroso posto de Controlador-Geral do Distrito Federal.

Agora, cabe a CGDF, conforme reza o Decreto n. 40.447/2020, fiscalizar a implementação de suas definições. Esse é um aspecto crucial. O decreto por si só tem apenas o potencial de realizar
profundas mudanças nas licitações, contratações e pagamentos. Somente sua efetivação no plano dos atos administrativos concretos viabilizará que a Administração Pública do Distrito Federal posso trilhar, de forma generalizada, e não parcial como hoje, os caminhos da regularidade e da eficiência.

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