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Jovem artista da periferia destaca-se com poema sobre o apartheid cultural e econômico de Brasília: “Uma W3 entalada na garganta virou nó”

Meimei Bastos, de 24 anos, participa de batalhas poéticas de slam no DF e em São Paulo, com poema de qualidade que lembra a narrativa de Nicolas Behr; para ela, ainda um ilustre desconhecido

atualizado

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“Tinha um EIXO atravessando meu peito

Tão grande que dividia a minha alma em L2

SUL E NORTE.

Uma W3 entalada na garganta virou nó.”

Os versos que iniciam o poema “Eixo” têm impressionado o público das batalhas de slam (encontros de poesias faladas) do Distrito Federal e de São Paulo. As palavras que fazem menção às vias peculiares de Brasília saem da boca de Meimei Bastos, jovem artista da periferia do DF, que luta por uma política de inclusão e paridade entre o Plano Piloto e as cidades que o orbitam. O chamado “apartheid” administrativo-social-econômico-cultural da capital do país.

Os versos de Meimei lembram a qualidade da narrativa poética de Nicolas Behr, que, nos anos 1970, bebeu nas esquisitices urbanas da capital federal em versos como “A superquadra nada mais é do que a solidão dividida em blocos”. Não se trata de uma influência porque a jovem nunca teve acesso à obra de o “Poeta de Brasília”, como é referenciado nacionalmente.

Não o conheço. Agora, que você me falou dele e dessas aproximações, quero muito ler

Meimei Bastos

Eles têm o Parque da Cidade,

Nós, o Três Meninas;

Eles, a Catedral;

Nós, Santa Luzia;

Eles, Sudoeste;

Nós, Sol Nascente;

Eles, o Lago Paranoá;

Nós, Águas Lindas.

Estudante de artes cênicas da Universidade de Brasília, ativista cultural e poetisa, Meimei Bastos ganhou potência poética quando participou (e venceu) do primeiro “Slam das Minas”, realizado no Teatro Mapati, em junho de 2015. Sem figurino e maquiagem cênica (uma das regras da batalha), subiu ao palco para lançar os versos contundentes que ganharam força na performance corporal.

 

Sou filha de Maria,

Que não é Santa e nem puta.

Nasci e me criei num paraíso que chamam de Val

E me formei na Universidade Estrutural.

Fui batizada no Santuário dos Pajés

Por um guerreiro Fulni-ô.

Meimei mora em Samambaia e integra coletivos como a Frente Feminina Periférica, que, em dezembro, lançou o livro “Mulher Quebrada”, com poesias de mulheres da periferia para a periferia. Esses grupos espalharam a batalha de slam pelo DF afora, apresentando-se de microfones abertos em cidades diversas. Difundiram, assim, o exercício democrático dessa estética urbana criada nos 1980, nos Estados Unidos, por Marc Kelly Smith, um poeta trabalhador da construção civil.

Senti que, com o slam, poderia dar vazão política à minha voz de mulher da periferia, por meio da minha poesia de denúncia, de exclusão, contra o machismo, o racismo e os preconceitos estruturais por estar e viver fora do Centro.

Meimei Bastos

 

Batalha em Sampa

Divulgação
Meimei em Sampa: batalha nacional de slam

 

Depois de se destacar em sucessivas batalhas no DF, Meimei Bastos foi selecionada para o Slam BR, que reuniu 16 integrantes de diversos estados, no Sesc Pinheiros, em São Paulo. Ela orgulhosamente foi a voz “periférica, feminina, negra, mãe e trabalhadora” da quebrada brasiliense em Sampa.

São Paulo foi incrível. Não ganhei, mas aprendi muito. O slam lá é diferente do que acontece aqui. Foi uma grande oportunidade de preparação. Afinal, sou uma slammer, uma atleta da palavra

Meimei Bastos

Eu não troco o meu Recanto de Riachos Fundos

e Samambaias verdes pelas tuas Tesourinhas.

Essa Brasília não é minha.

Porque eu não sou planalto, eu sou

PERIFERIA!

Porque eu não sou concreto, eu sou

QUEBRADA!”

Poema “Eixo”, de Meimei Bastos

Entenda a arte do slam

Conheça o coletivo Slam das Minas

 

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