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Nem todos os casos de câncer de próstata devem ser tratados

Coordenando um congresso de câncer na capital no fim de semana, oncologista Fernando Maluf falou sobre avanços no tratamento e diagnóstico

atualizado

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Nayra Mesquita/Divulgação
Fernando Maluf
1 de 1 Fernando Maluf - Foto: Nayra Mesquita/Divulgação

O fim deste mês marca também o término da campanha mundial de prevenção do câncer de próstata – o Novembro Azul –, mas não encerra os esforços globais pelo diagnóstico precoce e a redução no número de casos da doença. Segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca), o tumor é o segundo mais comum entre a população masculina, atrás apenas do melanoma. Em 2013, a doença matou 13,7 mil homens. Em 2016, foram 61,2 mil novos diagnósticos.

Para além de estatística oficiais, os especialistas calculam que mais da metade dos homens com idade acima dos 80 anos têm ou vão ter algum tipo de doença na próstata. Um sinal da expectativa de vida mais generosa, eles dizem. Não que rastreá-lo seja menos importante.

“O enfoque principal é justamente rastrear e descobrir qual é o pequeno grupo de 10% ou 20% de pacientes com doença grave que precisa de intervenção”, afirma Fernando Maluf, coordenador do Centro de Oncologia do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, e oncologista dos hospitais BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo e Sírio-Libanês.

Nos últimos dias, Maluf e outros especialistas da capital e dos principais centros de tratamento do país se reuniram em Brasília para debater diagnósticos e tratamentos de ponta para diferentes tipos de câncer, durante o I Congresso de Oncologia do Hospital Santa Lúcia. Os tumores de próstata ganharam programação especial na última sexta-feira (24/11), oncologistas, patologistas e clínicos-gerais debateram novos parâmetros de exames de rastreamento e quando intervir ou não na doença com tratamentos agressivos.

Embora cercado de medos e tabus, apenas 10% dos casos da doença, nas estimativas dos especialistas, evoluem para situações graves. Mais da metade dos pacientes passarão os restos de seus dias com o tumor, sem que cirurgias ou sessões de quimioterapia sejam necessárias. O que não significa o fim do exame de PSA – que mede a quantidade de “antígenos prostáticos” no sangue por uma dosagem laboratorial – e nem o temido exame de toque retal. Pelo contrário.

Ainda em tempo de se falar sobre câncer de próstata neste novembro, o oncologista Fernando Maluf conversou com o Metrópoles sobre a importância do diagnóstico, os tratamentos mais eficazes contra as doenças agressivas e a importância de se dar maior visibilidade também a outros tipos de câncer comum em homens, como o de pênis e o intestinal. Confira:

 

Um dos assuntos abordados no congresso foi quando e como intervir em casos de câncer e se a cirurgia ou outros tratamentos invasivos são sempre a solução. Um exame positivo para câncer de próstata não necessariamente leva ao tratamento?

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O PSA e o toque retal são exames complementares para que se suspeite de diagnóstico de câncer, confirmado com a biópsia. Eles não fazem diagnóstico. Fazem a suspeita. Há casos em que o PSA está alterado e o toque está normal. Há casos em que o toque está alterado e o PSA, normal. E tem casos em que os dois estão alterados.

A cada 10 casos diagnosticados pelo toque ou PSA, três ou quatro não vão precisar de tratamento imediato, e talvez nunca. São tumores de baixo grau, pequenos, de baixo volume, confinados à próstata. Mas temos uma outra linha de pacientes que vão ter recidivas mesmo com o melhor tratamento. Felizmente, esse percentual é menor do que 10%. Os outros 50% são pacientes que não têm uma doença nem tão indolente e nem tão grave, mas que é curável. E, por isso, precisam ser tratados imediatamente.

O fato é que mais de 80%, 90% dos casos têm cura. E a cura pode vir desde com o tratamento até só com a observação, porque talvez aquele tumor nunca vá representar um perigo real. Mas a gente só consegue oferecer o melhor tratamento quando temos todos os dados na mão, que vêm com os exames

Por isso o rastreamento é importante. Porque consegue salvar a vida de homens que têm um câncer agressivo, mas que tenha sido diagnosticado precocemente. E consegue colocar em observação homens que não precisam de tratamento.

Então, o fato de você identificar a doença, não significa que precisa tratar. Mas você só consegue identificar o “não precisar tratar” depois que tem todas as informações disponíveis.


O medo ou a falta de informação de médicos e pacientes pode levar a tratamentos desnecessários, em alguns casos que seriam “tratáveis” só com observação?

Nayra Mesquita/Divulgação
Fernando Maluf na abertura do I Congresso de Oncologia do Santa Lúcia, em Brasília

Pode acontecer. É o que chamamos de “overtreatment”, ou “tratamento em excesso”, que é tratar pacientes que têm uma doença indolente e que não ofereceria risco à saúde.

Mas precisamos educar a comunidade para identificar os casos que são passíveis de seguimento e quais merecem tratamento. E isso não significa fechar os olhos para não fazer o rastreamento

A gente sabe que o rastreamento populacional não é perfeito. Tem custos envolvidos, mas os países que o fazem, de maneira geral, têm uma diminuição de mortalidade por câncer significativa. Não porque diagnosticou o caso indolente – esse não faria muita diferença na população. Mas porque ele identificou aqueles casos que, nos próximos dois anos, se tornariam uma doença metastática. Por melhor que sejam os tratamentos hoje, quem tem um câncer metastático não é mais passível de cura, e sim de “cronificação” da doença.

É possível dizer que, com o aumento da expectativa de vida, o câncer de próstata é algo com o qual, mais cedo ou mais tarde, todos os homens vão lidar?
Um em cada seis homens tem câncer de próstata ou vai ter no Brasil. A gente suspeita que mais de 50% ou 60% dos homens com mais de 80 anos têm câncer de próstata. Porém, mais uma vez, só uma pequena faixa vai ter uma doença grave. A tendência realmente é aumentar (a incidência) com a idade, e ela deve ser até maior do que um para seis. Mas o enfoque principal é rastrear e descobrir qual é aquele pequeno grupo de 10%, 20% de pacientes que têm uma doença que precisamos realmente intervir e salvar vidas.

O exame de toque ainda gera preconceito. É possível fazer a prevenção apenas com o PSA?
De cada 10 casos de câncer de próstata diagnosticados, dois são só pelo exame de toque. Tive recentemente um amigo do meu pai com exame de PSA “2” – normal para a idade dele – e, ao ser achado um nódulo no exame de toque, a biópsia indicou um tipo de câncer super agressivo, que não “fabricava” PSA. Esse paciente foi salvo pelo toque retal.

O senhor disse que o tratamento de câncer de próstata é um dos que mais teve avanços nos últimos anos. O que temos de melhor hoje para esses pacientes?

IStock
A gente hoje consegue “cronificar” muito mais a doença e por muito mais tempo que no passado. O tratamento principal da doença avançada é a diminuição dos níveis de testosterona, que é o hormônio masculino e é o alimento principal das células cancerígenas. O fato é que essas células, em algum momento, podem ficar “espertas” e se alimentar de outras substâncias do corpo. Elas criam uma certa resistência à testosterona.

E o que sabemos hoje é que novos anti-hormônios, como novas quimioterapias, novas formas de radioterapia feitas através de injeções; grudam nas células cancerígenas e as matam pela radiação. E novas promissoras imunoterapias vêm entrando nesse cenário e na rotina de pacientes para permitir que eles consigam realmente se manter controlados por muitos e muitos anos.

A gente hoje consegue para eles uma sobrevida muito eficaz, como em qualquer outra doença crônica. Claro que tem tumores agressivos que não respondem tão bem a essas estratégias. Mas melhoramos muito em relação a cinco anos atrás.

O câncer de próstata tem muita visibilidade hoje por causa das campanhas preventivas, como o Novembro Azul. Há outros tipos de cânceres masculinos que merecem atenção como o de próstata e sobre os quais não se fala o suficiente?
O câncer de pênis é endêmico no Norte e no Nordeste do país e é o tumor mais fácil de se prevenir que existe entre os homens. Ele se previne com higiene adequada e cirurgia de fimose. Então é um câncer que precisamos trabalhar muito as campanhas com a população, porque água e sabão resolveria ou evitaria muito dos casos. Eu diria também que o câncer de pulmão ainda é muito prevalente no país – e aí tem a questão do tabaco – e é mais comum em homens. E ainda o câncer de intestino, que é o terceiro mais comum e também pode ser evitado por hábitos de vida saudáveis e por colonoscopia a partir dos 50 anos, a mesma idade que recomendamos o início da avaliação do câncer de próstata.

 

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