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CPI das Milícias apontou 4 dos 13 acusados na Operação Os Intocáveis

Há 10 anos, comissão que funcionou na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro já denunciava a milícia de Rio das Pedras

atualizado

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Reprodução/Facebook
Rio das Pedras
1 de 1 Rio das Pedras - Foto: Reprodução/Facebook

Brasília e Rio de Janeiro (enviada especial) – Quatro dos 13 investigados na Operação Os Intocáveis, que levou à cadeia supostos milicianos no Rio de Janeiro, tinham sido citados como integrantes de grupos criminosos no relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Milícias. O documento de conclusão da CPI – mantida na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) entre 2007 e 2008, sob o comando do então deputado estadual Marcelo Freixo (PSol) – pediu o indiciamento de 225 políticos, policiais, agentes penitenciários, bombeiros e civis.

Dez anos depois, a denúncia oferecida nesta semana pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público estadual (MPRJ), aponta Maurício Silva da Costa, Marcus Vinícius Reis dos Santos, Fabiano Cordeiro Ferreira e Jorge Alberto Moreth como integrantes graduados de milícias localizadas em bairros da zona oeste da capital fluminense. Todos eles foram citados no relatório final da CPI.

De acordo com Freixo, a hesitação da Justiça carioca em combater os milicianos há uma década teve como resultado o aumento da força desses grupos. “Existe um relatório com mais de 10 anos que não foi cumprido pelas autoridades e por isso este tipo de organização criminosa se tornou o que é hoje”, disse ao Metrópoles o político, que assume em fevereiro seu primeiro mandato como deputado federal.

Cabeças
Maurício Silva da Costa, também conhecido como Maurição, é tenente reformado da Polícia Militar do Rio de Janeiro e seria responsável por controlar o serviço de vans em Rio das Pedras, comunidade carente do estado. O MPRJ aponta o ex-policial como “líder intermediário” da milícia que funciona na localidade.

Em 2008, ele chegou a ser absolvido das acusações de lavagem de dinheiro e formação de quadrilha pela 6ª Câmara Criminal do Rio de Janeiro. Ao ser preso na última terça-feira (22/1), de acordo com membros do MP, ele teria dito que “nada iria acontecer”. “Vai ser como em 2008: meu advogado vai resolver tudo. Vocês não sabem de nada”, detalhou a coluna de Anselmo Goes, em O Globo.

“Braço direito”
Outro citado no relatório, Marcus Vinícius Reis dos Santos é conhecido como Fininho. Ele chegou a ser excluído dos quadros da PM devido à sua condenação, em primeira instância, por formação de quadrilha. Fininho também figura entre os integrantes da milícia de Rio das Pedras no relatório final da CPI das Milícias. Igualmente foi absolvido pela 6ª Vara Criminal do estado.

Na denúncia apresentada pelo Gaeco, Fininho figura como “braço direito” de Maurição. É “seu homem de confiança, espécie de segurança e frente de um dos líderes da organização criminosa”, destaca o documento. Diálogos interceptados indicam ainda que Fininho atuava como agiota, segundo o relatório do Ministério Público.

Na denúncia do MPRJ, os dois fazem parte da cúpula da milícia, ao lado do ex-policial Adriano Nóbrega, que não é citado no relatório da CPI e atualmente se encontra foragido. Além de chefiar a organização, Adriano também é suspeito de assassinar a vereadora do PSol, Marielle Franco (foto abaixo), executada no centro do Rio de Janeiro em março de 2018. No atentado, também morreu o motorista da parlamentar, Anderson Gomes.

Renan Olaz/CMRJ

 

À época da CPI das Milícias, Marielle assessorava o presidente da comissão, Marcelo Freixo. Quando foi assassinada, funcionários de seu gabinete na Câmara Municipal do Rio prestavam apoio à comunidade de Rio das Pedras contra ameças de desapropriação e ação de milicianos.

Homenagem
Adriano chegou a ser homenageado pelo deputado estadual e senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) com a Medalha Tiradentes, a mais alta honraria da Assembleia Legislativa, enquanto estava preso, em janeiro de 2004, acusado pelo homicídio do guardador de carro Leandro dos Santos Silva, 24 anos. Ele chegou a ser condenado no Tribunal do Júri, em outubro de 2005, mas conseguiu recurso para ter um novo julgamento, foi solto em 2006 e absolvido no ano seguinte.

Oito meses depois da absolvição, em setembro de 2007, a mulher do ex-policial militar, Danielle Mendonça da Costa da Nóbrega, foi nomeada assessora do gabinete de Flávio Bolsonaro na Alerj, onde ficou empregada até novembro passado. Ao longo desse período, Adriano seguiu acumulando uma série de acusações em sua ficha criminal e agora se encontra foragido.

Reprodução
Adriano Nóbrega está foragido: é acusado de integrar milícia e suspeito de matar Marielle


Denúncias anônimas

De acordo com os procuradores, existem várias denúncias anônimas apontando que Fininho e Maurição eram responsáveis pelas extorsões praticadas pelo bando contra os moradores e comerciantes das localidades de Muzema e Rio das Pedras.

No relatório da CPI, Fabiano Cordeiro Ferreira, conhecido como Mágico, também figurava como um dos chefes da milícia em Rio das Pedras, da mesma forma que Jorge Alberto Moreth, conhecido como Beto Bomba, acusado, de acordo com o relatório, de homicídio. Os dois também foram absolvidos das acusações na 6ª Vara Criminal do Rio de Janeiro.

“Serviços” tabelados
Na época em que foi aprovado, o relatório da CPI já apontava que a milícia de Rio das Pedras atuava há pelo menos 10 anos. O documento chegou a detalhar valores cobrados pela organização, que monopolizava, sob ameaças à população, serviços como segurança de moradores (entre R$ 10 e R$ 50); taxa para funcionamento do comércio (R$ 50 e R$ 200 por estabelecimento); pedágio para entregadores de mercadorias no bairro (R$ 20); taxa para barracas (R$ 30); venda de gás (R$ 39); sinal de TV a cabo irregular, mais conhecido com o “gatonet” (R$ 18); além do transporte alternativo (R$ 270 a R$ 325 por semana).

Quem se recusasse a pagar era intimidado, expulso da residência ou tinha, até mesmo, o imóvel subtraído pelos milicianos, de acordo com depoimentos colhidos pela CPI.

Dez anos depois, a lista de crimes relacionados pelo MP segue a mesma lógica identificada pela CPI, mas, agora, de forma ampliada. A denúncia aponta a associação de todos os acusados com a “finalidade de obter vantagem ilícita, indiretamente, mediante a prática de vários e sucessivos crimes” em Rio das Pedras e bairros próximos.

De acordo com os procuradores, entre os crimes praticados pela organização estão “grilagem de terrenos, construção, venda e locação ilegais de imóveis, receptação de carga roubada, posse e porte ilegal de arma de fogo, extorsão de moradores e comerciantes da região mediante cobrança de taxas referentes aos ‘serviços’ prestados, ocultação de bens adquiridos com os proventos das atividades ilícitas praticadas através da utilização de ‘laranjas’ , falsificação de documentos públicos, pagamento de propina a agentes públicos, agiotagem, utilização de ligações clandestinas de água e energia para o abastecimento dos empreendimentos imobiliários ilegalmente construídos, e, sobretudo, prática de homicídio”.

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