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“Nos guiamos pelo cheiro dos corpos”, relata brigadista em Brumadinho

Agentes chegaram a recolher partes de corpos humanos. Buscas continuam nesta segunda-feira e ao longo da semana

atualizado

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CADU ROLIM/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO
Brumadinho11
1 de 1 Brumadinho11 - Foto: CADU ROLIM/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO

Repórter-fotográfico do jornal O Estado de S. Paulo foi até Brumadinho e relata parte da experiência vivida. Confira o depoimento:

A busca é feita pelo cheiro, pelo olhar atento que percorre a superfície da lama fétida, em busca de algum sinal de corpo humano, ou do que restou dele. Os brigadistas apontam para algo no meio do barro. Acompanho de longe, ao lado da casa que foi engolida pelo rejeito. Dali, não consigo ver nada além de entulho. “É um corpo. Vamos até lá”, diz um deles.

Na equipe, são 11 brigadistas em operação. Dois deles entram no mato e voltam carregados de galhos para lançar sobre o barro mole. Vão fazendo uma ponte improvisada até chegar ao que parece ser parte de alguém. Um brigadista se volta para mim. Penso que serei expulso. A área foi isolada e não há mais ninguém ali. Ele pede ajuda. “Ei, você, me dá essa madeira aí no canto, rápido”, diz ele, apontando um pedaço da porta que restou de um guarda-roupa. Entrego a madeira. Eles a lançam sobre o barro.

Caminhar na lama ainda é impossível. Dois dias depois de a enxurrada de rejeito da Vale varrer o Córrego do Feijão e estraçalhar tudo o que encontrou pela frente, o barro segue mole. Um passo em falso e você afunda até as canelas, sem conseguir sair. Para a equipe de brigadistas que trabalha nas margens do desastre, na região de Brumadinho conhecida como “Berço Alberto Flores”, o limite do salvamento são cinco, seis metros lama adentro. “Qualquer coisa para além disso, é risco de não conseguir voltar”, me diz um deles. “Procuramos sobreviventes, sempre. Mas, aqui, a verdade é que estamos nos guiando pelo cheiro dos corpos ou pelo que conseguimos ver.”

Andando sobre as madeiras, eles chegam ao que seria um corpo humano. É. Com luvas, um deles se abaixa e passa a recolher órgãos de alguém. Vísceras, estômago, fígado. Roupa. Em fila indiana, passam de mão em mão o que encontraram pela frente, até depositar as partes sobre uma manta metálica no chão.

Rapidamente recolhem o material e somem pela mata. O deslocamento de vítimas encontradas perto de estradas é feito por meio de ambulâncias. Em áreas mais remotas, o trabalho é apoiado pelos helicópteros – que não param de cruzar o céu.

Olho para o horizonte do mar de lama que se abriu na mata. Ao longe, nos cantos da vegetação, é possível ver mais mantas metálicas espalhadas, aguardando para serem recolhidas.
“É melhor você ir agora”, me diz um dos brigadistas. “Essa região ainda não está segura e foi isolada, o solo ainda está muito movediço.”

Despeço-me e saio pela mata. Toda a região foi cercada pela polícia e os acessos pelas estradas estão proibidos. Meu acesso à equipe de brigadeiros se deu casualmente, quando decidi entrar por uma estrada de terras que seguia até o curso do Rio Paraopeba, outra vítima fatal da catástrofe. Sítios e chácaras que não foram inundados estão vazios, com as portas trancadas. A polícia ronda a região, por causa de saques que ocorreram em algumas áreas.

Uma dessas casas é a chácara “Recanto Feliz”, número 126, bem na beira da estrada que foi interditada pelo mar de rejeitos de minério de ferro. Sobraram sinais da felicidade por ali. Brinquedos de crianças largados no sofá. Na pia, louça suja de um almoço feito dois dias atrás. Na varanda, uma casinha de madeira para as crianças com vista para o que era o córrego. Não há mais vista. Nem crianças.

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