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Tragédia em Brumadinho: a Vale vai sobreviver a mais um desastre?

Especialistas avaliam que a mineradora terá prejuízo imediato com desempenho negativo no mercado financeiro

atualizado

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Igo Estrela/Metrópoles
Brumadinho 4
1 de 1 Brumadinho 4 - Foto: Igo Estrela/Metrópoles

O rompimento de uma das barragens da Mina Córrego de Feijão, em Brumadinho (MG), nessa sexta-feira (25/1), deixou ao menos 58 vítimas fatais até a noite de domingo (27). Três anos antes, a cerca de 160 quilômetros do local, em Mariana (MG), episódio semelhante com a barragem da mineradora Samarco tirou a vida de 19 pessoas. Em comum, além dos danos humanos e ambientais incalculáveis, ambas tinham a Vale como controladora.

Somado ao fato de ter de lidar com essa sequência de desastres incomensuráveis, a mineradora enfrentará um desafio muito maior: terá capacidade de sobreviver aos prejuízos financeiros e resgatar o que restou da sua imagem pública, tão abalada?

Especialistas ouvidos pelo Metrópoles acreditam que a sequência de eventos terá impacto negativo nas ações na bolsa de valores, tendo em vista que a Vale é uma empresa aberta no mercado. A mineradora terá de reparar os danos, além de sofrer um imenso abalo da reputação institucional.

A Justiça já determinou três bloqueios de bens da Vale – o total do montante chega a R$ 11 bilhões. A empresa recebeu, ainda, multa de R$ 250 milhões, aplicada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). No entanto, o principal impacto imediato da tragédia para a mineradora, que tem capital aberto, será no mercado financeiro. No mercado, a Vale é avaliada em R$ 289 bilhões. Apenas como comparação, esse valor é superior ao Produto Interno Bruto (PIB) – ou seja, todas as riquezas produzidas em um ano – do Distrito Federal, avaliado em R$ 235,497 bilhões em 2016.

A B3, antiga Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), esteve fechada na sexta-feira (25), quando ocorreu o desastre em Brumadinho, devido ao aniversário da cidade de São Paulo, mas já foram registrados reflexos da tragédia na bolsa de Nova York – onde a empresa comercializa ações – com queda de 8,08% no American Depositary Receipt (ADR) da Vale, vendido a US$ 13,68.

No último pregão da bolsa de valores brasileira, antes do desastre em Brumadinho, na quinta-feira (24), o papel da mineradora fechou cotado a R$ 56,15, com alta de 0,9%. Quando houver a reabertura, nesta segunda-feira (28), a perspectiva é de que a queda seja ainda maior do que a registrada após a tragédia ambiental em Mariana. Essa é a avaliação do doutor em Economia pela Universidade de Brasília (UnB) e sócio-executivo da empresa de consultoria GO Associados, Eduardo Velho.

No dia 5 de novembro de 2015, quando a primeira barragem se rompeu, o valor das ações da Vale diminuiu 2,6% na Bovespa. A situação piorou no dia seguinte, quando o recuo atingiu 7,5%.

“Provavelmente, o preço da empresa será reavaliado para baixo. Isso é reflexo da cotação da empresa frente ao número de ações que ela tem no mercado. O impacto financeiro vai ser negativo, mas será moderado porque ela é muito grande”, afirmou.

O professor Heron do Carmo, doutor em Economia pela Universidade de São Paulo (USP) e docente da mesma universidade, adiantou que as consequências não estarão restritas à empresa. O índice Ibovespa, principal indicador de desempenho das ações negociadas na B3, por exemplo, pode ser afetado.

Por se tratar de uma empresa com elevada participação na bolsa de valores, a economia brasileira será atingida por vários caminhos

Herón do Carmo, professor de Economia da USP

Desde o início do governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL), em janeiro de 2019, a pontuação do Ibovespa vem, sequencialmente, atingindo máximas históricas. Na quinta (24), o índice bateu recorde novamente, ao encerrar o dia em 97.677 pontos – alta de 1,15% em relação ao pregão anterior. No último pregão de 2018, ocorrido no dia 28 de dezembro, a bolsa encerrou em 87.887 pontos.

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Especialista em Economia Internacional e doutora em Economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a professora Arilda Teixeira avalia que a Vale sentirá o peso da tragédia no abalo de sua reputação. Na lista de valores institucionais demonstrados pela própria empresa, a Vale apresenta o mote “a vida em primeiro lugar” como objetivo número um.

“Neste momento, a dimensão do problema é melhor descrita pelo que a Vale representa: negligência e falta de transparência. Fazendo parte da bolsa de valores, a empresa deveria cumprir princípios de respeito ao meio ambiente e responsabilidade social. Com o novo desastre, a interpretação é de que ela, literalmente, estava falando uma coisa e fazendo outra”, disse.

Para a especialista, internacionalmente, a imagem da economia brasileira também fica prejudicada. “O Brasil tem lei, tem regras, mas não tem cobrança nem punição”, salientou.

Procurada pelo Metrópoles, a Vale informou que a avaliação dos impactos financeiros não foi feita porque a empresa está “focada no atendimento dos atingidos”.

Histórico
A mineradora Vale S.A., antiga Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), é uma multinacional brasileira, com sede no Brasil e presente em cerca de 30 países. A companhia foi criada em 1942, no governo de Getúlio Vargas, para exploração de minas na região de Itabira (MG). Foi privatizada em 1997, durante o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), com financiamento subsidiado disponibilizado pelo Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES).

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