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Metade da hidroxicloroquina doada pelos EUA ao Brasil está encalhada

País recebeu 3,016 milhões de comprimidos. Do total, 1 mi foi para o Exército e 609 mil foram para municípios – que já planejam devolvê-los

atualizado

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hidroxicloroquina
1 de 1 hidroxicloroquina - Foto: Getty Images

O governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) mantém armazenados ao menos 1,407 milhão de comprimidos de hidroxicloroquina que foram doados pelo governo dos Estados Unidos, em maio do ano passado.

Encalhado em um almoxarifado do Ministério da Saúde, o medicamento – que tem sido indicado por Bolsonaro para o tratamento da Covid-19, apesar de não haver comprovação científica e, ainda, ser rejeitado por autoridades sanitárias, como a Organização Mundial da Saúde (OMS) – tem prazo de validade terminando em outubro de 2022.

No total, o ex-presidente dos EUA Donald Trump (Partido Republicano), aliado de Jair Bolsonaro, e o Laboratório Sandoz, do Grupo Novartis, que fabricou os medicamentos, doaram 3,016 milhões de pílulas ao Brasil.

Desse total, o Ministério da Saúde logo enviou 1 milhão ao Laboratório Químico e Farmacêutico do Exército (LQFEX), que não esclareceu, ao Metrópoles, o que foi feito com os remédios.

Outros 609 mil comprimidos foram distribuídos pelo Ministério da Saúde a 24 municípios do país, além de para um grupo hospitalar no Rio Grande do Sul e para a Secretaria Estadual de Saúde do Amazonas (Sesam).

Ou seja, pelo menos 46,6% seguem estocados, pouco mais de um ano depois da doação.

Os dados constam em nota técnica e em relatório de inventário, aos quais o Metrópoles teve acesso, enviados pela Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde, do Ministério da Saúde, à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19, que apura ações e omissões do governo federal na pandemia.

Os municípios que mais receberam o medicamento foram Joinville e Lages, em Santa Catarina, com 160,5 mil e 63 mil comprimidos, respectivamente; e Presidente Prudente e Limeira, em São Paulo, com 100 mil e 37,5 mil.

O Metrópoles procurou as prefeituras das quatro cidades, mas somente Joinville respondeu.

Em nota, a cidade catarinense confirmou o recebimento de 160,5 mil comprimidos de hidroxicloroquina em setembro de 2020. Do total, 135,5 mil seguem estocados e nem mesmo foram distribuídos às farmácias do município.

Como a quantidade de hidroxicloroquina armazenada é enorme, a Secretaria Municipal de Saúde informou que devolverá os comprimidos ao governo federal – “visto que outras áreas da saúde podem precisar do medicamento”, alegou a prefeitura joinvilense.

“É importante ressaltar que a Prefeitura de Joinville oferece todas as condições necessárias para que os médicos possam receitar a medicação adequada ao quadro de cada paciente. Os profissionais têm autonomia para a prescrição do medicamento”, contemporizou o Executivo municipal, em nota.

Em julho de 2020, Joinville já havia recebido 16 mil comprimidos de cloroquina. O estoque acabou em dezembro.

A Secretaria Estadual de Saúde do Amazonas recebeu 120 mil comprimidos de hidroxicloroquina. O medicamento foi enviado em janeiro deste ano, no auge da crise do oxigênio no estado.

Como revelou o Metrópoles, o Ministério da Saúde, na época comandado pelo general Eduardo Pazuello, levou ao Amazonas mais hidroxicloroquina do que medicamentos que compõem o chamado kit intubação. Em janeiro, a pasta destinou 40,5 mil unidades de Midazolam, Fentanila, Propofol, Suxametônio, Rocurônio e Atracúrio, usados para intubar pacientes em unidades de terapia intensiva (UTIs).

Outro lado

Em nota, o Ministério da Saúde alegou que “adquire a cloroquina, historicamente, para atender o Programa Nacional de Controle da Malária”. A pasta também esclareceu que distribui o medicamento a partir da demanda dos estados e municípios. “As devoluções são remanejadas de acordo com a solicitação de outros entes federados”, ressaltou.

A mesma explicação foi apresentada pelo ex-secretário executivo do ministério Élcio Franco, na quarta-feira (9/6), à CPI da pandemia. Ele alegou que a pasta comprou cloroquina em 2020 para tratamento de malária, e não de Covid-19.

“Aqui, gostaria de fazer o esclarecimento de um assunto recorrente, mas é preciso registrar. Por solicitação do general Pazuello, eu informo que durante a nossa gestão não ocorreu aquisição de cloroquina para o ano de 2020 para o combate à Covid-19”, afirmou Élcio Franco.

“Porém identificamos que, para atender ao programa antimalária do primeiro semestre deste ano, em 30 de abril de 2020, foi assinado um termo aditivo ao TED [Termo de Execução Descentralizada] com a Fiocruz, no valor de R$ 50 mil, visando a aquisição desse fármaco para entrega posterior”, complementou.

No próprio documento enviado à CPI da Covid, contudo, analisado pelo Metrópoles, o Ministério da Saúde diz que a hidroxicloroquina se refere ao tratamento da Covid-19.

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Procurado, o Ministério da Defesa informou, em comunicado, que “os assuntos pautados na CPI da Covid-19 serão tratados apenas naquele fórum”.

Em resposta enviada à CPI da Covid, o ministro da Defesa, general Walter Souza Braga Netto, justificou que a elevada produção de cloroquina pelo Exército Brasileiro (EB), durante a pandemia do novo coronavírus, ocorreu devido a uma suposta “corrida mundial” em busca do medicamento.

No ano passado, o Laboratório Químico Farmacêutico do Exército (LQFEx) produziu 3,229 milhões de comprimidos de cloroquina. Trata-se de um aumento de 1.145% em relação à última quantidade produzida, que abasteceu por dois anos. Em 2017, o LQFEx fabricou 259,4 mil pílulas.

“Em 18 de março de 2020, começaram a surgir as primeiras publicações científicas internacionais que apontavam na direção do tratamento com antimaláricos, como a da Cell Discovery, provocando uma verdadeira corrida mundial em busca do difosfato de cloroquina, insumo farmacêutico ativo (IFA) para a produção de cloroquina”, escreveu.

Foram gastos, em 2020, R$ 1,141 milhão para a produção do medicamento pelo Exército. Isso equivale a um custo de R$ 0,35 por comprimido. Três anos antes, em 2017, o Ministério da Defesa havia investido R$ 43,3 mil, o equivalente a R$ 0,16 por pílula. Houve, portanto, elevação de 118% no gasto.

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