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Massacre de Suzano: um ano depois, a ferida ainda não cicatrizou

Colégio Raul Brasil será reaberto em abril. Sobreviventes relatam ao Metrópoles a rotina de superação: 7 mil são acompanhados por psicólogos

atualizado

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Rafaela Felicciano/Metrópoles
escola raul brasil massacre em suzano
1 de 1 escola raul brasil massacre em suzano - Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

As paredes foram pintadas, famílias mudaram de endereço, professores retomaram a rotina. De algumas pessoas, não se teve mais notícias. Um ano após o massacre no Colégio Raul Brasil, em Suzano, município distante 55 km de São Paulo (SP), os personagens envolvidos na tragédia ainda tentam redescobrir seus destinos.

Era uma quarta-feira, se aproximava das 9h30. Dois ex-alunos da escola, Guilherme Taucci Medeiros, 17 anos, e Luiz Henrique de Castro, 25 anos, invadiram o local. Guilherme atirou contra alunos e funcionários. Luiz Henrique atingia o maior número de pessoas que conseguia com golpes de machadinha. Dez pessoas morreram, sendo cinco alunos, duas funcionárias, os dois ex-alunos e autores do crime, além do tio de um dos atiradores.

A cidade entrou em colapso. O país, chocado, chorou a morte de cada vítima, e comemorou a sorte que cada sobrevivente teve ao escapar da mira dos assassinos. Um ano depois, dois personagens emblemáticos contam ao Metrópoles o que mudou neste tempo e o que esperam do futuro. Segundo a Prefeitura de Suzano, 7 mil pessoas ainda são acompanhadas por psicólogos. E mais de 24 mil procuraram serviço médico.

Para a maior parcela das pessoas, esta sexta-feira (13/03) será apenas mais um dia. Algumas estão preocupadas com as variações da bolsa de valores e do dólar. O mundo presta atenção na pandemia de coronavírus. A dona de casa Sandra Regina, 50 anos, porém, ignora tudo isso.

Ela é mãe de José Vitor Ramos Lemos, 19, o menino visto nas filmagens minutos após a tragédia correndo da escola com um machado cravado no ombro. “Tudo mudou”, conta, ao atender o telefone. Nos últimos 12 meses, José Vitor teve depressão, abandonou o basquete, saiu de casa, voltou e a família trocou de endereço.

“Passou um ano, mas quem foi vítima parece que foi ontem. A vida não volta a ser o que foi antes. Hoje, ele está bem, mas houve um período em que se fechou totalmente”, detalha.

O novo endereço, no bairro de classe média Parque Santa Rosa, é para evitar cruzar com os parentes dos assassinos. Essa ferida não cicatrizou.

Abandonou o basquete
“Não tem o que fazer. Seguimos em frente, agradecemos a Deus por ele estar vivo. Mas morar perto, encontrar com a família [dos atiradores], é insuportável”, desabafa.

José Vitor, nessa semana, se calou novamente. Prefere não reviver as lembranças do ataque e dos dois dias em que ficou internado. O jovem não tem sequelas físicas da machadada que levou. À época do atendado, o garoto recebeu o Metrópoles em casa minutos após deixar o hospital. “A vida tem que continuar”, afirmou, sorridente. Apesar do otimismo, o basquete, paixão e projeto de futuro profissional, virou atividade esporádica.

José Vitor com a mãe, Sandra: um ano depois, a família tenta retomar rotina

Atualmente, José Vitor cursa um supletivo para terminar o ensino médio. A família ainda cruza as ruas em que a escola está. “É uma lembrança física, material. É um caminho que a gente faz sempre, mas já não é como foi antes”, finaliza a mãe do rapaz.

PM vira herói
O soldado da Polícia Militar Eduardo Andrade Santos, 35, entrou no local durante o massacre e interceptou os assassinos até a chegada de outros policiais. Ele virou uma espécie de herói na comunidade. Recebeu homenagens e criou vínculo com alunos e professores.

O militar é vizinho da unidade de ensino e chegou ao prédio ainda durante o atentado. À época, ele destacou a particularidade do caso. “As ocorrências [policiais] têm um fim. Eu volto para casa e elas acabaram. Essa ocorrência nunca vai acabar”, ressalta.

Não acabou. “Alguns alunos superam, outros levam mais tempo. Cada um tem uma forma de cicatrizar. O que eu digo sempre é que temos que continuar, seguir em frente. Esquecer, ninguém vai”, pondera.

O PM assumiu o risco de entrar na escola sem uniforme, podendo ser confundido com um dos assassinos. Não teve medo. Após o caso, ele se tornou paraninfo de uma turma de formandos da Raul Brasil.

Mais que isso. Hoje, ele alerta para que um caso como esse não se repita. “Eu sempre falo: o diálogo é a maior prevenção. Os pais devem ter esse contato. Os professores devem ser amigos dos alunos. A tragédia só é evitada quando se estabelece uma relação de confiança”, aposta.

Reforma e punição
O colégio será reaberto, segundo o governo de São Paulo, em abril. A estrutura foi completamente reformulada. A porta por onde os atiradores entraram foi desativada. Durante as obras, iniciadas em outubro de 2019, as aulas aconteceram em uma faculdade privada, alugada pelo governo de São Paulo. A obra custou R$ 3,1 milhões. Em 2020, mais de mil estudantes foram matriculados na escola.

A família dos atiradores se mantém em silêncio. No mês passado, a Vara Criminal de Suzano soltou os três homens presos por envolvimento no massacre. Geraldo de Oliveira Santos, Cristiano Cardias de Souza e Adeilton Pereira dos Santos foram presos suspeitos de fornecerem armas e munição aos assassinos. Eles estavam detidos na Penitenciária 2 de Tremembé, interior paulista.

A Justiça considerou que os presos não sabiam que as armas seriam usadas no massacre. Um quarto suspeito de participar da venda das armas, Marcio Germano Masson, foi solto pela Justiça em novembro.

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