metropoles.com

Emoção: as últimas mensagens enviadas por vítimas de Covid-19

Buscando apoio em luto solitário, brasileiros compartilham últimas mensagens trocadas com entes queridos que morreram de Covid-19

atualizado

Compartilhar notícia

Reprodução
As últimas mensagens trocadas por vítimas de Covid-19
1 de 1 As últimas mensagens trocadas por vítimas de Covid-19 - Foto: Reprodução

“Eu vou para a UTI, só que não tem vaga em lugar nenhum. Amo vocês”, escreveu Valéria para sua filha Giulia. A jovem de 23 anos respondeu que a mãe deveria ser firme: “Tem que ver eu me formar. Eu te amo”.

Essas foram as últimas mensagens trocadas por mãe e filha antes da morte de Valéria Abreu, 42 anos, por Covid-19, no dia 2 de março.

Apesar de Valéria apresentar baixa saturação de oxigênio, médicos a mandaram para casa. Ela só foi internada quando sua situação se agravou, falecendo enquanto aguardava um leito de tratamento intensivo.

Valéria Abreu era dona de uma sorveteria em Esteio (RS) e deixou três filhas, Isabella, de 8 anos, Nathalia, de 22, e Giulia.

Giulia Dias, a mais velha, conta que o processo de luto tem sido mais doloroso por ser solitário. Foi essa solidão que a levou a desabafar no Twitter, compartilhando as palavras trocadas com a mãe por um aplicativo de mensagens.

Em Esteio, velórios de pessoas que morreram em decorrência da Covid-19 são proibidos. Parentes e amigos não puderam se despedir, e Giulia se encontra em isolamento.

Valéria Abreu, em álbum de família
Valéria Abreu, em álbum de família. Ela deixa três filhas e esposo

“Eu tô recebendo muitas respostas de carinho [no Twitter]. Eu agradeço muito. Recebi muitos relatos de quem tá vivendo o mesmo. Eu só desejo que todo mundo fique bem e faça seu melhor em vida pelos seus pais e amores.”

Luto coletivo

O tuíte de Giulia já foi “curtido” no Twitter por mais de 120 mil usuários e compartilhado 18 mil vezes. Em torno da publicação, mais de 2 mil respostas formaram uma rede de solidariedade entre pessoas em luto.

Uma delas foi Hygo Palheta, bacharel em turismo, que perdeu o pai, Heyder Abas Palheta, de 61 anos, em 23 de fevereiro.

“Bom dia meu filho, baixou minha saturação, talvez vá para a UTI”, disse Heyder. Ele chegou a ser intubado, mas acabou não resistindo. Além da família, deixou em luto o futebol nacional.

Heyder Palheta, como atacante, fez o Paysandu bicampeão paraense, sendo artilheiro do campeonato de 1981. Também foi campeão mineiro pelo Cruzeiro em 1990. Gostava de dar aulas de futebol na periferia de Belém.

Heyder Palheta (segundo, da esquerda para a direita) em foto de família
Heyder Palheta (segundo, da esquerda para a direita) em foto de família

“Nesse momento eu me reconforto ao entender que o sofrimento chegou ao fim. E que se fosse para ele viver sem jogar a sua pelada, fazer seu churrasco, tocar o seu pagode e sambar, a vida não teria sentido”, diz o filho Hygo.

Galeria: últimas mensagens trocadas por familiares e vítimas de Covid-19
0
Na enfermaria

Uma enfermeira de Belém (PA), que preferiu permanecer anônima, informa que pacientes precisam se desfazer do celular quando pioram e saem da enfermaria.

“Seguimos um protocolo de pedir para que os parentes levem seus pertences, porque a qualquer momento o paciente pode entrar em coma ou ser transferido para um leito em outro hospital ou até em outra cidade.”

Nem sempre dava tempo, por causa dos altos e baixos da doença, de mandar um último recado.

“Mas é normal que alguém que esteja muito ruim tenha uma melhora súbita antes de sucumbir. Nessas horas, se alguém pedisse, eu dava um jeito de conseguir um celular escondido, para que o paciente pudesse falar com os familiares, porque poderia ser a última vez e, em sua maioria, foi mesmo.”

Recorde de mortes

Até a publicação desta reportagem, o Brasil vivia a semana mais letal desde o início da pandemia do novo coronavírus no país, batendo recordes na média móvel de óbitos pelo oitavo dia consecutivo.

Em números absolutos, o país registrou 1.699 mortes causadas pela Covid-19 na quinta-feira (4/3). Em relação aos infectados, foram 75.102 nas últimas 24h. Os dados são do mais recente balanço divulgado pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). No total, o Brasil já perdeu 260.910 vidas para a doença e computou 10.793.732 casos de contaminação.

Compartilhar notícia