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Classe média fica à margem da digitalização bancária, diz especialista

Para João Bragança, da Roland Berger, bancos erram ao não dedicar esforços ao “filé mignon” do setor, a classe média, que segue mal atendida

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1 de 1 Imagem notas de real no valor de 100 reais e 50 reais | Metrópoles - Foto: Reprodução/ Pexels

Nos últimos anos, os grandes bancos brasileiros promoveram uma ofensiva para trazer a classe média para o segmento “premium”. Cada vez mais clientes recebem ofertas de cartões platinum e black, além de propostas para aderir às cestas de serviços de conta com nomes que variam de instituição para instituição (Uniclass, Select, Prime, Estilo e afins).

O  problema, na visão de João Bragança, sócio da consultoria global Roland Berger, é que a oferta de produtos “premium” não se traduziu em um serviço de melhor qualidade no Brasil.

“Do que adianta ser um cliente ‘premium’ se na hora de financiar sua casa o processo é tão burocrático e demorado quanto era 10 ou 20 anos atrás, antes da digitalização do setor financeiro?”, questionou Bragança.

Em entrevista, ele diz que a competição e digitalização do setor financeiro estão avançando sobre as duas pontas da clientela. Os bancos digitais, como Nubank, Inter e PagSeguro, têm captado uma camada de menor renda, enquanto concorrentes como a XP e o BTG Pactual buscam morder uma fatia dos clientes de alta renda. A grande massa que está no meio dos dois públicos ficou à margem do processo.

“No meio temos o cliente de classe média que tipicamente não investe muito, porque tem despesas elevadas, filhos e outros planos, e busca o banco para ter um relacionamento de longo prazo, como no financiamento de um carro ou casa. É o ‘filé mignon’ do setor financeiro, mas a proposta de valor dos grandes bancos para essas pessoas ainda é muito antiquada” analisou o especialista da Roland Berger.

Veja abaixo a entrevista completa com João Bragança:

A chegada de fintechs e bancos digitais foi bem-sucedida em aumentar a competição no setor financeiro?

O Brasil passou por uma transformação que eu diria que não aconteceu nem mesmo na China. Partimos de um mercado muito concentrado nas mãos de grandes bancos, então tivemos a entrada acelerada de bancos digitais, e tudo ocorreu sob uma agenda pró-concorrência do Banco Central. As grandes instituições até conseguiram preservar parte das receitas, mas estruturalmente o mercado não volta atrás.

Faz sentido que os juros no Brasil sejam tão altos?

O Brasil tem o segundo maior spread de juros [diferença entre o custo do crédito e as taxas cobradas aos clientes dos bancos] do mundo, só perde para Madagascar. É verdade que o custo operacional é elevado, em razão de fraudes, inadimplência etc. Fazer negócios não é fácil no Brasil. A questão é que o próprio Banco Central enxerga que há espaço para reduzir esse spread por meio de mais competição, e é por isso que temos agendas como o Pix e o Open Banking.

Como os grandes bancos preservaram receitas?

Por um lado, os bancos passaram a oferecer pacotes de serviços “premium” para mais clientes. Por outro, eles reduziram os benefícios dessas categorias, como por exemplo os programas de milhagem e o acesso a lounges de aeroportos. Mesmo assim, em termos reais as receitas tarifárias dos grandes bancos caíram 5% ao ano. Foi uma forma de tentar estancar a sangria. Além disso, eles apostaram bastante na concessão de crédito

Como a concessão de crédito ajudou?

Os grandes bancos conseguem captar recursos a um custo mais baixo e conceder esse crédito com juros mais elevados. A alta da Selic ajudou as grandes instituições a frear a competição de fintechs e outros bancos menores. No entanto, os bancos deveriam ter aproveitado esse momento para digitalizar processos e sair mais fortalecidos do ciclo de juros elevados. Poucos fizeram isso, e agora devem ser espremidos, porque em um cenário de Selic estável ou caindo os bancos digitais são mais eficientes.

Então a competição vai voltar a ser um ponto chave para o mercado?

Eu vejo da seguinte forma: os bancos digitais tomaram uma boa parte dos clientes de baixa renda dos bancos. Já as corretoras de investimentos, agora transformadas em bancos, foram em busca da alta renda. No meio temos o cliente de classe média que tipicamente não investe muito, porque tem despesas elevadas, filhos e outros planos, e busca o banco para ter um relacionamento de longo prazo, como no financiamento de um carro ou casa. É o ‘filé mignon’ do setor financeiro, mas a proposta de valor dos grandes bancos para essas pessoas ainda é muito antiquada.

Em qual sentido?

Do que adianta ser um cliente ‘premium’ se na hora de financiar sua casa o processo é tão burocrático e demorado quanto era 10 ou 20 anos atrás, antes da digitalização do setor financeiro. Será que a classe média vai achar tão atrativo pagar caro por uma cesta de serviços premium, sem receber em troca uma melhora do atendimento? Existe a necessidade de reforçar a eficiência operacional e olhar para a inovação. E pra isso, o banco não precisa lançar produtos novos, basta melhorar o que já existe.

E como se faz isso?

Exatamente como os novos concorrentes estão fazendo: digitalizando processos, personalizando os produtos e facilitando a experiência do cliente.

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