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Ao menos 24 atletas olímpicos, até medalhistas, receberam auxílio de R$ 600

A maioria deles são vencedores de competições internacionais. Dado expõe erro na análise do governo, além de falta de incentivo federal

atualizado

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Arte para matéria sobre atletas que recebem auxílio emergencial
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Pelo menos 24 atletas olímpicos ou paralímpicos – parte deles medalhistas em competições anteriores – receberam o auxílio emergencial de R$ 600, pago pelo governo federal a famílias de baixa renda durante a crise econômica causada pela pandemia do novo coronavírus.

Além de mostrar que a realidade desses esportistas está longe de ser glamourosa, o número revela alguns casos de supostas fraudes ou de imprecisão na análise de dados pelo governo, uma vez que a lista possui nomes de atletas que são militares ou que recebem o Benefício de Prestação Continuada (BPC).

Isso é o que revela levantamento realizado pelo (M)Dados, núcleo de jornalismo de dados do Metrópoles. A equipe analisou uma base de 621 atletas que participaram das Olimpíadas de 2016, no Rio de Janeiro, ou que estão inscritos para os Jogos Olímpicos de Tóquio, remarcados para 2021 após o início da pandemia de coronavírus no mundo.

O cruzamento revela que para grandes nomes do esporte brasileiro, como medalhistas de ouro, prata e bronze, por exemplo, nas modalidades de (para)taekwondo, boxe, judô, atletismo (paralímpico), levantamento de peso, (para)canoagem, além de paraciclismo e halterofilismo, receberam o auxílio emergencial.

O paulista Júlio César Agripino dos Santos, por exemplo, está na lista dos beneficiários do auxílio emergencial de R$ 600. Ele conquistou o primeiro ouro para o Brasil no segundo dia do Mundial de Atletismo Paralímpico, em Dubai, nos Emirados Árabes, no ano passado, ao vencer a prova masculina dos 1500 m T11 (deficiência visual).

É também o caso de Everton Lopes do Santos, o primeiro campeão brasileiro a conquistar o Mundial de Boxe. Ou da fluminense Tayana de Souza Medeiros, halterofilista paralímpica tricampeã brasileira e medalhista do Parapan-Americano.

Veja, a seguir, a lista de todos os 24 nomes de atletas que recebem o auxílio de R$ 600:

Acúmulo

O cruzamento dos dados revela que houve irregularidades no pagamento desses valores. Há casos de atletas paralímpicos que recebem o BPC, que é pago a idosos e pessoas com deficiência, e o auxílio de R$ 600 ao mesmo tempo. A legislação do programa emergencial dispõe que a pessoa não pode ser titular de mais de um benefício simultâneo.

Além disso, há casos como o de nomes que constam como tendo recebido o valor, mas os supostos beneficiários dizem não ter feito o pedido. No passado, pessoas conhecidas, como o empresário bilionário Luciano Hang, tiveram o nome inserido na lista. Ele, obviamente, negou ter feito a solicitação. Da mesma forma, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, conforme revelado pelo Metrópoles, teve pedidos feitos em seu nome, igualmente negados por ele.

Tetracampeã brasileira e medalhista de prata e bronze nos mundiais de 2015 e 2016, a atleta Débora Benevides Raiza, da paracanoagem, diz ter ficado surpresa ao saber que o nome dela consta na lista de beneficiários do auxílio emergencial.

Ela nega ter solicitado o benefício e vai entrar em contato com a Caixa Econômica Federal para saber o que houve. O nome e o CPF dela contidos na base de dados estão corretos, mas o Portal da Transparência informa que o beneficiário é de Niterói (RJ), porém a esportista mora em Mato Grosso do Sul.

Relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) identificou que mais de 194,1 mil beneficiários do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) obtiveram o auxílio de R$ 600 indevidamente. Desse total, 68% recebem o BPC.

Uma possível fraude aconteceu também com a boxeadora Jucielen Romeu, vice-campeã no peso galo feminino no Panamericano de 2019. Ela é militar e, portanto, estaria impedida de receber o benefício. “Eu não pedi o auxílio emergencial. Deve ter saído errado pois eu não tenho direito, sou militar”, disse, em conversa com o Metrópoles.

O caso de Jucielen também não é inédito. O Ministério da Defesa identificou que mais de 39 mil militares estariam recebendo o auxílio emergencial indevidamente. Em análise feita em maio, esse número era maior ainda – de 73,3 mil irregularidades. O cálculo foi refeito, pois a pasta usou uma base de dados desatualizada, como mostrou o Metrópoles nessa quinta-feira (13/8).

A realidade

Não é possível comprovar, no entanto, que todos os 24 atletas olímpicos e paralímpicos tenham sido vítimas de fraudes no auxílio emergencial, o que pode expor uma realidade sensível e humilde longe dos holofotes direcionados ao estrelato de alguns esportes, como a nata do futebol nacional e, sobretudo, o europeu.

Apesar de serem atletas de alto rendimento, que representam o Brasil nas maiores competições de esportes do mundo, nos Jogos Olímpicos e Paralímpicos, boa parte desses esportistas são de famílias de baixa renda.

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A ex-nadadora e finalista olímpica Joanna Maranhão, dona do melhor resultado brasileiro feminino na modalidade em Jogos Olímpicos, analisa que o problema do esporte no país é uma questão cultural, estrutural e histórica. Ela não está entre aqueles que receberam o auxílio federal.

“O que a gente vê na mídia é a exceção. Não é uma coisa só deste governo, mas é um problema cultural e histórico da gente não ter um olhar para o esporte paralímpico, apesar de o Brasil ser uma potência”, diz. Atuante pela causa, ela foi secretária de Turismo, Esportes e Lazer da Prefeitura de Recife (PE).

O governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) não lançará edital para concessão do Bolsa Atleta nas modalidades olímpicas e paralímpicas neste ano. Sob o argumento de que muitas competições foram canceladas ou adiadas por causa da pandemia, a Secretaria Especial do Esporte, do Ministério da Cidadania, vai juntar o desempenho dos atletas no ano passado e neste para lançar uma nova chamada do programa apenas no início de 2021.

Outro lado

Procurado, o Ministério da Cidadania confirmou que não há impedimento para atletas receberem o auxílio emergencial, desde que atendam aos critérios de elegibilidade estabelecidos na Lei nº 13.982/2020.

“Atualmente, o Ministério da Cidadania apoia diretamente 6.650 atletas olímpicos e paralímpicos de todo o país por meio do Bolsa Atleta, um dos maiores programas do mundo de patrocínio ao atleta. O investimento anual é da ordem de R$ 125,8 milhões. Desse total, 293 são apoiados pela categoria pódio, a mais alta do programa, que contempla atletas que estão entre os 20 primeiros do ranking mundial de sua modalidade ou prova específica”, informou.

A pasta destacou que desde o início do atual governo “tem adotado todas as medidas necessárias para o fortalecimento do Bolsa Atleta. Já nos primeiros 100 dias de governo, o ministério recompôs o orçamento do programa, que havia sido cortado pela gestão anterior, e dobrou o número de contemplados”, disse.

Neste ano, diante da decisão do Comitê Olímpico Internacional (COI) e do Comitê Paralímpico Internacional (IPC, na sigla em inglês) de adiar os Jogos de Tóquio para 2021, bem como devido à paralisação de treinos e competições, a pasta informa ter garantido a continuidade dos pagamentos do programa para os mais de 6,6 mil atletas apoiados.

“A importância do Bolsa Atleta pode ser medida nos Jogos Rio 2016. Na edição olímpica, 77% dos 465 atletas convocados para defender o Brasil eram bolsistas. Das 19 medalhas conquistadas pelos brasileiros – a maior campanha da história –, apenas o ouro do futebol masculino não contou com bolsistas”, diz a pasta, sobre o benefício criado durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

“Já nos Jogos Paralímpicos Rio 2016, o Brasil teve a maior delegação da história, com 286 atletas, sendo 90,9% bolsistas. Foram 72 medalhas conquistadas, em 13 esportes diferentes: 14 ouros, 29 pratas e 29 bronzes, além de 99 finais disputadas. Todas as medalhas foram conquistadas por atletas que recebiam o apoio da Secretaria Especial do Esporte do Ministério da Cidadania”, prosseguiu.

A Dataprev, responsável pela análise dos cadastros realizados no auxílio emergencial de R$ 600, também foi procurada para comentar esta reportagem. A pasta disse que atua como parceira do Ministério da Cidadania por ser uma empresa especializada no processamento de grandes volumes de dados e também soluções tecnológicas.

“No programa, a empresa realiza o processamento dos pedidos por meio do cruzamento das informações autodeclaradas pelos cidadãos no portal ou aplicativo com os dados das bases oficiais disponíveis, no momento da análise – resguardado o sigilo fiscal”, afirmou. Contudo, a Dataprev não comentou a possibilidade de erros durante a análise.

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