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O massacre de Jacarezinho tira a máscara de sensatez de Mourão

Vice-presidente da República, o general Hamilton Mourão garante lugar na galeria dos que defendem que bandido bom é bandido morto

atualizado

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Aline Massuca/ Metrdópoles
Moradores fazem protestgo no dia seguinte da operação que deixou 25 mortos
1 de 1 Moradores fazem protestgo no dia seguinte da operação que deixou 25 mortos - Foto: Aline Massuca/ Metrdópoles

Então fica combinado assim: se depender do general Hamilton Mourão, vice-presidente da República, e de autoridades que pensam como ele, o país poderia muito bem abolir o Poder Judiciário, transferindo às polícias, civis e militares, as atribuições de investigar, oferecer denúncia e condenar criminosos.

Também fica combinado que a pena de morte, que chegou a existir no Brasil por um curto período de tempo na época da ditadura militar de 64, mas que nunca foi aplicada, poderá ser restabelecida, conferindo assim um ar de legalidade a assassinatos de autoria dos chamados agentes da lei e da ordem pública.

Revogue-se, pois, qualquer entendimento em contrário. Revoguem-se os tratados assinados pelo Brasil, entre eles a Declaração Universal dos Direitos Humanos, e acordos que representem um obstáculo à ação meritória dos zeladores da paz social, capazes de sacrificar a própria vida por nós.

Horas depois do massacre de 28 moradores da favela do Jacarezinho, no Rio, que resultou também na morte de um policial com um tiro na cabeça, o diretor-geral do Departamento Geral de Homicídios e Proteção à Pessoa, Roberto Cardoso, concluiu que não houve execução e que todos eram bandidos.

Para o secretário de Polícia Civil do Rio de Janeiro, Allan Turnowski, a operação policial foi “técnica e madura”. Serviu para mostrar à sociedade “que aquele traficante que invadiu aquela casa da moradora, ele é o inimigo”. O governador Cláudio Castro observou que a operação baseou-se em “dados de inteligência”.

Na manhã de ontem, em entrevista a uma rádio gaúcha, o vice-presidente Hamilton Mourão, que cogita candidatar-se ao Senado pelo Rio Grande do Sul, saiu em socorro da polícia. Decretou que todos os mortos eram bandidos. Àquela altura, nem a polícia carioca havia identificado todos os cadáveres.

Com o que disse, Mourão garantiu lugar na galeria dos que pensam que “bandido bom é bandido morto”, como há de concordar o presidente Jair Bolsonaro e seus filhos, admiradores de milicianos no Rio e agradecidos pelos votos que costumam colher nas áreas da cidade controladas por milicianos e traficantes de droga.

Por que será que Mourão, geralmente sensato, deu uma derrapada tão feia? À parte a fortaleza de suas convicções, há meses que ele anda abatido porque Bolsonaro não lhe dá a mínima bola. Se nunca deu, muito menos depois de se convencer de que Mourão conspirava para tomar seu lugar. Paranoia de Bolsonaro, evidente!

Há décadas que massacres como o de Jacarezinho e outros se repetem com maior ou menor intensidade no Rio e país afora. Alguns se tornam famosos, como a dos garotos que dormiam na calçada da Igreja da Candelária, no Rio, ou o dos presos do Carandiru, em São Paulo. A maioria é logo esquecida.

Em que medida a segurança pública aumentou com ações como a de Jacarezinho? Aumentou, sim, a insegurança pública, multiplicaram-se as facções criminosas, o tráfico de drogas e o contrabando de armas rolam soltos. Sozinha, a polícia do Rio mata mais do que a soma das polícias dos Estados Unidos.

A brasileira é uma sociedade tolerante com a violência desde o período colonial, quando o país foi o maior importador de escravos do mundo. Foi também o último a abolir a escravidão. Isso talvez explique por que o número de mortos pelo vírus vai ultrapassar a casa dos 500 mil mortos sem despertar revolta.

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