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Filme sobre Leila Diniz a projeta hoje num Brasil próximo ao que viveu

Documentário “Já que ninguém me tira para dançar”, de Ana Maria Magalhães, traz depoimentos de diretores e atores gravados em 1982

atualizado

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Divulgação
Leila Diniz e Ana Maria Magalhães
1 de 1 Leila Diniz e Ana Maria Magalhães - Foto: Divulgação

Assistir ao documentário “Já que ninguém me tira para dançar” – sobre Leila Diniz e que tem duração de uma hora e meia – é um exercício impossível de não se fazer uma associação, inevitável, e que surge no último minuto do filme, próximo já da aparição dos créditos:

“Cinco décadas depois, em um Brasil governado pela extrema direita em que avança o fanatismo evangélico, o que resta de Leila? Leila Diniz se mantém de extraordinária atualidade”. Trecho de um curto texto que encerra o filme.

Não dá para acompanhar todas cenas – sejam dos filmes ou da sua ‘vida real’, que se misturam – sem ser reportado ao Brasil de hoje, com muitas semelhanças com aquele Brasil do período que Leila viveu e morreu, num acidente aéreo em 1972. Período em que a ditadura militar estava no ápice de sua linha dura: prisões, torturas e mortes. A semelhança com hoje? O país tem um presidente militar e milhares de seguidores que cultuam esse passado, louvam essas práticas e pregam arbitrariedades iguais, como fechamento de instituições. como Congresso e o STF.

O longa tem produção, roteiro e direção da cineasta e atriz Ana Maria Magalhães. O filme é coproduzido por Lino Meireles, do portal Metrópoles, e recebe apoio do Instituto Itaú Cultural. O documentário irá abrir o 54º Festival de Cinema de Brasília no próximo 7 de dezembro.

Além da história libertária de Leila Diniz, do fascínio de sua espontaneidade e o que os seus modos representaram para a conquista das mulheres, o filme tem uma riqueza, que não é um detalhe: os depoimentos, inéditos, de grandes cineastas do país, de artistas virtuosos e amigos foram colhidos pela diretora em 1982, há quase 40 anos.

Bem mais novos estão ali Hugo Carvana, Domingos de Oliveira, Paulo José, Beth Faria, Cláudio Marzo, Nelson Pereira dos Santos, os icônicos Maria Gladys e Carlos Leite e até nome do mundo do samba, como Nelson Sargento.

O filme pode atrair os mais velhos por, além da história em si de Leila, ter todo esse elenco e vai apresentar quem foi a atriz aos mais novos. Aos dois públicos, toda a irreverência da atriz que foi embora muito antes da hora, aos 27 anos, em plena fase produtiva.

O documentário é recheado de imagens, vídeos e áudios de Leila Diniz, em variedades. Sua barriga de grávida à mostra na praia está lá; sua desbocada e clássica entrevista para o também desbocado “Pasquim” está lá; suas muitas cenas com Paulo José estão lá; e a perseguição da ditadura ao seu modo de ser e agir, também.

“Sou muito calhorda. Me entendo com todo mundo” – é um dos áudios e pensamentos lapidares da atriz. Aparece nos depoimentos um glossário datado, mas retrato de uma época, como expressões do tipo ‘juventude transviada’ e ‘motoca’,

Hugo Carvana conta que Leila vivia num universo de atores, pintores, malucos. Domingos de Oliveira, que namorou com ela “por três ou quatro anos”, resolve fazer a conta e dá conta de que a namorada Leila, à época, tinha 15 anos. “Então eu era um tarado. Ela devia ter 16”. E complementa: “não concordo com essa morte. Um absurdo”

Paulo José, que não namorou Leila, revela a razão de não terem formado um par fora das telas: “Não fui namorado da Leila. O fato de a gente fingir no papel de namorados, com cenas de amor, cama e beijos…vivíamos com grande intensidade. Era tão completa (a ficção) que não interessava reproduzir na realidade. E não namoramos”.

Nelson Sargento aparece com seu violão, cantando um samba com citação à história de Leila. O sambista da Mangueira conviveu com a atriz e conta o que viu.

“A Leila Diniz contribuiu muito para a emancipação da mulher. Ela via a coisa com clareza e não se impressionava com nada, nem com essa ideia de que existiam coisas de homem e coisas de mulher” – disse Sargento, sob uma imagem de Leila jogando uma partida de sinuca contra um homem.

Leila teve seus problemas com a ditadura depois da entrevista ao Pasquim, concedida em novembro de 1969, em plena vigência do AI-5. Escandalizou o governo de então com declarações do tipo “eu posso amar uma pessoa e ir para a cama com outra. Já aconteceu comigo”. Os palavrões eram censurados e, no lugar, asteriscos. “Eu tinha atitudes físicas para me desinibir, eu nadava, eu dançava, eu (*)”.

A diretora Ana Maria Magalhães afirma que “Já que ninguém me tira para dançar” mostra todo o modo de ser e viver dos artistas e das jovens brasileiras nos anos 60 e faz paralelos com o Brasil dos tempos atuais.

“O Brasil vive hoje tamanho retrocesso em relação às liberdades femininas que as mulheres têm saído às ruas das principais cidades para protestar. E não é um revival dos anos 60, mas a assombrosa perspectiva do fundamentalismo evangélico dos anos 2000, com apoio de setores do Congresso e de parte da sociedade” – diz a diretora.

Nessas “conversas” com Leila, nas suas narrações na tela, a diretora projeta a amiga nos dias de hoje.

“Leila, agora tem TV a cabo, streaming, redes sociais. Acho que você teria milhares de seguidores”

É de se imaginar.

 

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