metropoles.com

Vijay Iyer, defendendo vidas com seu piano (por Flávio de Mattos)

Música

atualizado

Compartilhar notícia

Vijay Iyer/Youtube
Blog26
1 de 1 Blog26 - Foto: Vijay Iyer/Youtube

O pianista Vijay Iyer não crê que possa ser chamado de um ativista político, por abrir seu novo álbum Uneasy (2021 – EMC) com o tema Children of Flint. A música está inspirada nas crianças que adoeceram em consequência da contaminação da água que Detroit enviava para a pequena Flint, no Michigan. Em 2014 descobriu-se que as tubulações não haviam sido protegidas da corrosão e estavam desprendendo chumbo na água consumida por seus cem mil habitantes.

“Por negligência grosseira e racismo sistemático, todo o abastecimento de água potável da cidade foi envenenado com chumbo. Milhares de crianças naquela cidade, a maioria afro-americana, foram expostas a níveis inseguros de chumbo, levando a problemas de saúde generalizados, doenças crônicas e dificuldades de aprendizagem. Esta peça é dedicada a essas crianças,” relata Iyer.

Outra das faixas de Uneasy está dedicada ao movimento Black Lives Matter, Combat Breathing. Vijay Iyer lembra que a música foi composta há sete anos, por ocasião dos primeiros protestos de massa contra o assassinato sistemático de negros. Ele ressalta que, no entanto, essa continua sendo uma causa urgente, porque as pessoas continuam sendo assassinadas em razão da cor de sua pele.

“Não me considero um ativista, mas sempre que posso, busco encorajar as pessoas a contribuírem com essas causas. Lembro que elas podem garantir apoio financeiro às organizações que fazem esse trabalho”, explica Vijay Iyer. “Eu sempre recomendo que ajudem o Movement For Black Lives e, no caso de The Children of Flint, a Community Foundation of Greater Flint. Eu venho financiando essas duas organizações e encorajando outras pessoas a ajudarem também”.

Nascido nos Estados Unidos, em 1971, Vijay Iyer é filho de indianos, que a América recrutou para seus programas de doutorado. Formado em Matemática e Física pela Universidade de Yale, a carreira musical de Iyer começou na Universidade de Berkeley, na Califórnia, onde cursou o doutorado em neurobiologia e cognição musical. A música para ele era diversão, apesar de ter estudado o violino clássico desde pequeno. Na universidade, as sessões de jazz ao piano com os amigos acabou se tornando uma atividade profissional.

Na Califórnia, Vijay Iyer conviveu com outros jovens de origem indiana, oriundos de Tamil, no Sul da Índia, onde nasceram seus pais. Com eles, o pianista redescobriu a música carnática, o estilo de música clássica tradicional daquela região, que remonta aos anos 700 a.C.. Baseada na repetição de notas e em ritmos cíclicos, a música carnática tem no improviso outro de seus elementos fundamentais. A estrutura de construção tem ainda semelhança com as fórmulas matemáticas, tão caras ao pianista.

A incorporação da música tradicional indiana às influências de Thelonious Monk, Alice Coltrane, Duke Ellington e Geri Allen fizeram de Vijay Iyer um dos músicos

mais prestigiados do jazz contemporâneo. Elas estão presentes e maduras nas composições que integram seu novo disco, Uneasy. Gravado em dezembro de 2019, com o trio formado por Linda May Han Oh, no baixo; e Tyshawn Sorey, bateria, este é seu 24.o álbum como líder.

Além das oito composições originais, que resumem os vinte anos de jazz de Vijay Iyer, como o delicado tema Entrustment, o disco trás a leitura original do pianista para dois clássicos do jazz. Um deles é Night and Day, de Cole Porter, e o outro Drummer’s Song, de sua mentora Geri Allen.

No vídeo a seguir temos Vijay Iyer e seu trio apresentando a composição inspirada nas primeiras manifestações do movimento Black Lives Matter Combat Breathing.

Flávio de Mattos é jornalista e escreve aqui sobre jazz a cada 15 dias. Dirigiu a Rádio Senado. Produz o programa Improviso – O Jazz do Brasil, que pode ser acessado no endereço: senado.leg.br/radio  

Compartilhar notícia