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Tiro, facada e porrada (por Tânia Fusco) 

Em São Paulo, no fim de semana, tiro na cabeça matou o campeão mundial de Jiu-jitsu, Leandro Lo, 33 anos. No Rio, mais tiro.

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1 de 1 Arma - Foto: Mongkol Nitirojsakul/ yeEm/GettyImages

Sem tempo de respirar entre uma e outra das muitas mortes sem causa, no modo bangue-bangue, segue o Brasil. Aqui, civis têm mais e melhores armas do que as PMs todas.

Em São Paulo, no fim de semana, tiro na cabeça matou o campeão mundial de Jiu-jitsu, Leandro Lo, 33 anos.  Estava em um clube. Assistia a um show.

O assassino? O tenente PM Henrique Otávio Velozo, 30 anos de vida, já condenado por agressão e desacato a um colega de farda – em 2017. Também numa casa noturna. Um dia, mataria.

Motivo para o assassinato do lutador? Precisa?

Houve discussão envolvendo uma garrafa de cerveja. Aconteceu troca de socos, o PM acabou imobilizado pelo lutador.  Perdedor no embate físico, Velozo sacou a arma e atirou na cabeça de Leandro. Encerrou com chutes no corpo – caído e quase sem vida – de Leandro. Finalizou.

Foi embora. Como se tivesse esmagado um inseto.

No domingo, 7, em Belford Roxo, RJ, Edson Romário Figueiredo de Souza, 29 anos, separou briga do amigo Gabriel Fonseca, de 24 anos, com outras pessoas. Participavam de um evento. Ao saírem, Edson e Gabriel foram perseguidos pelos agressores e baleados. Edson morreu no local.

Quanto vale a vida de um brasileiro hoje?

No final dos anos noventa, entrevistei um matador do interior da Piauí. Profissional, tinha tabela de preços por trabalho. Morte de figurões – advogados, prefeitos e delegados – era o serviço mais caro.

Não me lembro dos valores exatos, mas não passavam de 10 mil. Um “troco” nos dias de hoje.

Os segundos na tabela de preços eram vereadores e radialistas. Morte de padre tinha preço sujeito a consulta.

Debochado e/ou para me assustar, fez questão de mencionar que o menor preço era “pra estrebuchar mulher”. Fazia até por menos de mil reais.

“Se a causa da encomenda for chifre rasteiro ou topete, faço até de graça. Só por diária da tocaia e da fuga”, detalhou.

“Chifre rasteiro” definia como traição ao marido com “qualquer pé de chinelo”.  “Topete”, traduziu, era “enfrentação do macho”. Coisa de mulher causadeira, queixo duro com marido, pai ou patrão.

Se ainda vivo, o matador do Piauí – dos preços módicos – deve estar na fila do Auxílio Brasil.

No Brasil de hoje, mata-se sem intermediários. Nem causa. Rememorando linguagem antiga, mata-se pra desopilar o fígado. Por desfastio, por irritação momentânea. Por qualquer coisa.

Topetudas ou não, causadeiras ou não, mulheres seguem sendo carne barata no mercado da morte brasileiro. Morrem como formigas. Majoritariamente pelas mãos (e/ou pés) de alguém que um dia amaram.

A cada sete horas, acontece um feminicídio no Brasil – por bala, faca, porrada ou fogo. Não há dia sem manchetes sobre feminicídios. O que a lei define como assassinato de mulheres cometido em razão de gênero. Simplificando, foi morta por ser mulher. Talvez topetuda.

Em 2021, 56.090 mulheres foram mortas por serem mulheres.

Aqui e agora, violência e mortes não têm nada a ver com polarização política-ideológica. Crescem e resultam da fomentação ao desprezo e ao ódio pelo desigual.

Mulheres são a maioria dos desiguais.  “Enfrentadeiras”, que ousam dizer não. Como se seu direito de dizer algum não fosse igual a todos os muitos direitos dos machos? Pela ousadia, morrem mais.

No Brasil, cada vez mais armado e violento, viver é negócio muito perigoso.

Num domingo de sol, mãe e filho, de mãos dadas, têm desejo de atravessar a rua e ir molhar os pés no mar. Há tempo e espaço para a travessia. Eles só não contam que lá vem uma motocicleta, pilotada por um jovem, louro e belo, de 25 anos.

A velocidade da moto é de 150 km/h. O belo louro Bruno Krupp nem tem habilitação para pilotar motos. Mas já tem no currículo de vida vários casos de estupro. Não respeita mulheres. Não aceita não. Um dia, mataria.

Bum! Lá se vai a vida do menino, João Gabriel, de 14 anos que, ali, só desejava por o pé na areia, apreciar o mar.

O assassino do campeão de jiu-jitsu, tenente PM, que não respeitava os colegas de farda, respeitaria outro qualquer?

Um dia mataria. Assim, por nada. Matou.

Os assassinos de Edson, lá em Belford Roxo, armados, iam deixar pra lá alguém que, de alguma forma, os irritou?

Mataram.

Violência é sempre resposta de quem não tem razão – na causa. Nem têm a humana capacidade de raciocinar, apreender e compreender.

A polarização mais perigosa que vivemos está entre os que têm capacidade de raciocinar, apreender e compreender para julgar e os que não alcançam essa capacidade – esses, armados e/ou motorizados, matam. Com tiro, faca, porrada. Ou moto.

 

Tânia Fusco é jornalista 

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