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Precipitação amadora (por João Bosco Rabello)

A 12 meses da eleição, falta muito chão para subestimar a força que qualquer governo tem, forte ou fraco

atualizado

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1 de 1 manifestações_mbl - Foto: Reprodução/Twitter

A julgar pelas faixas “nem Lula, nem Bolsonaro”, a oposição partidária no Brasil caiu na armadilha da campanha eleitoral antecipada pelo presidente da República e perdeu uma oportunidade de refletir sobre o próximo passo em casa.

A faixa mantém a polarização que só interessa aos dois nela citados e avança pelo menos seis meses no contexto político real. Não deu chance para a decantação do recuo de seu adversário – que, sincero ou não -, tem no caráter compulsório sua admissão de fraqueza.

Sequer próxima de demonstrar sua viabilidade, a chamada terceira via decidiu que era hora de uma exibição de força eleitoral de que não dispõe – e nem sabe se disporá na forma em que a concebe. De qualquer forma, não levou às ruas mais que um desejo pouco compartilhado.

As graves, diversificadas e heterogêneas dificuldades econômicas e a série provável de revezes nos campos político e judicial ainda por virem constituem uma etapa de mais desgaste para o governo, e qualquer amador mais atento não desconhece que o chamado timing político está após seus efeitos.

As manifestações contra Bolsonaro, portanto, lhe prestaram o favor de exibir a dispersão da oposição, o que se traduz por falta de unidade para oferecer ao eleitor uma alternativa capaz de atrair o contingente que foi às urnas em 2018 votar, não em quem gostaria, mas contra quem não queria mais.

A faixa tenta atrair esse voto por exclusão para um candidato sem rosto, biografia ou proposta. Principalmente esta última, mais fácil que em outras épocas, tal a extensão da pauta de correção de erros acumulados pelo governo da hora. Deram ao outro oponente, o PT, a chance de mostrar que sem eles as ruas hoje não enchem.

A rigor, o evento atesta que a terceira via pode ser um fetiche que não seduz, senão aos seus mentores. Sem Lula ou Bolsonaro, o que virá a existir será uma segunda via, pois o próprio slogan leva à eliminação de um dos dois. Sozinhos em campo, ambos estarão no segundo turno.

O terceiro, com o qual a oposição, à direita e ao centro, acena é, na verdade, um segundo, cujo rosto e propostas precisam aparecer dizendo a que veio para tentar despolarizar o debate – primeiro estágio de uma campanha eleitoral. E inviabilizar um dos adversários do segundo turno, desde já.

Da manifestação, pode-se dizer que “gatos pingados”, alguns com pedigree, foram às ruas pedir ao eleitor um cheque em branco – e ao portador, aquele que pode ser sacado por quem o tem em mãos, como o bilhete de loteria. Nele, não há nome, apenas uma suposta promessa de boa-fé. Tente-se isso na vida real, e a chance de parar em um hospício é grande.

A precipitação também negligencia o cansaço da população com a distorção de comícios políticos fora de hora, como as micaretas do carnaval sem pausa concorrendo com dois anos de intensidade distópica, uma pandemia isoladora, desoladora e letal, economia ladeira abaixo, crise hídrica e ausência de governo.

A 12 meses da eleição, falta muito chão para subestimar a força que qualquer governo tem, forte ou fraco, em uma disputa antecipada com efeito diversionista. A chamada terceira via é nome de fantasia que precisará apresentar o CNPJ para se materializar na alternativa aos que hoje polarizam o palanque.

João Bosco Rabello escreve no https://capitalpolitico.com/

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