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O Pau-Brasil e os cupins (por Gustavo Krause)

No Brasil, a frequência das crises é um estado de normalidade. O que assusta é a superposição de crises agravada pela Covid-19

atualizado

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Sem coveiro em cemitério, família sepulta vítima de Covid na Paraíba
1 de 1 Sem coveiro em cemitério, família sepulta vítima de Covid na Paraíba - Foto: Reprodução

Na biblioteca Wiedener, Harvard, a palavra “crise” está mencionada em 23.600 livros, segundo Adam Przeworski (Crises da Democracia. Ed. Schwartz: Rio de Janeiro, 2019), autor da célebre frase “Ama a incerteza e serás democrático”.

No Brasil, a frequência das crises é um estado de normalidade. O que assusta é a superposição de crises agravada pela Covid-19 de trágicas consequências.

Em 2018, somaram-se impeachment, recessão, desemprego, circunstâncias que geraram um ambiente de profunda radicalização política. Os ditames da democracia representativa – eleições e alternância do poder – obedeceram às regras constitucionais.

No entanto, o desencanto, sentimento presente nos processo de transição política, alimentou um caldo de cultura antipolítico, antistabilshment e indignação com a corrupção exposta pela operação Lava-Jato. O grau de descrença na política tradicional levou o eleitor a buscar como solução o salvador da pátria.

Emergem atores políticos que, favorecidos pela virtù e fortuna (conceitos maquiavelianos: habilidade e sorte), conquistam e mantém o poder. A receita do sucesso tem um roteiro semelhante em todas a nações que passam pelo enfraquecimento global da democracia liberal. Creem firmemente em promessas irrealizáveis; vibram com bravatas irresponsáveis; mobilizam os iracundos que se julgam excluídos por uma “elite” cruel; e agridem as instituições democráticas.

Em favor das inclinações populistas de qualquer matiz, está a frustração das expectativas com as soluções democráticas que são mais sábias, mais legítimas, porém sem a velocidade autoritária e irresponsável das que emanam do poder despótico.

Mas a urna falou, tá falado. O palco se abre para o segundo ato. Confirmam-se suspeitas de um projeto autoritário em andamento. Mantém o verniz democrático e corrói a essência da democracia explorando os vetores da violência: a intolerância, a fragmentação das forças políticas; a transformação do opositor em inimigo a ser eliminado.

O primeiro erro da oposição foi subestimar o candidato; o segundo foi subestimar o uso do poder; o terceiro está em curso: não enfrentar, unida, o projeto de poder em que se inscreve a demolição da democracia representativa.

Espertamente, o governo constrói pontos de apoio: 1/3 de fanáticos; a volubilidade parlamentar; aparelhamento dos mecanismos de controle do poder; desafia o papel institucional das Forças armadas; e não hesitará em manejar o populismo fiscal.

Este último ato está à vista da nação. Pensar no Brasil é a senha do consenso político-eleitoral. Um grito de alerta. Pau-Brasil é poesia/manifesto de Oswald de Andrade e Madeira de Lei que os cupins não roem, mas precisa do abraço protetor.

 

Gustavo Krause, ex-ministro da Fazenda

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