metropoles.com

O país das tristes certezas (por Roberto Brant)

A Constituição, que mudou tanta coisa, não quis reformar a vida política.  Deu margem à multiplicação de partidos sem razão de ser

atualizado

Compartilhar notícia

Renan Xavier / Metrópoles
Edição comemorativa da Constituição Federal
1 de 1 Edição comemorativa da Constituição Federal - Foto: Renan Xavier / Metrópoles

Os analistas políticos e os economistas do mundo paralelo das finanças são todos unânimes em afirmar que o país está parado e que o câmbio, a inflação e os investimentos estão afetados por causa das incertezas quanto aos resultados das eleições do ano que vem.

O sentimento é que tudo pode mudar conforme o presidente eleito. Penso que isto é reflexo de uma visão idealista da política, porque à semelhança do mundo do príncipe de Salina, do romance O Leopardo, na maior parte do tempo no Brasil os presidentes mudam para que tudo fique como está.

Na história das últimas décadas, o Brasil só mudou de fato sob o comando de uma ordem autoritária e impositiva, nos governos dos generais Castelo Branco e Ernesto Geisel, ou sob as raras lideranças inspiradoras, capazes de projetar uma imagem atraente do nosso destino, como Juscelino e Fernando Henrique.

No resto do tempo os sistemas tradicionais da política e da Justiça se impuseram sobre a Presidência e acabaram ditando suas políticas e seu comportamento, muitas vezes no sentido contrário aos discursos de campanha.

As únicas escolhas eleitorais democráticas em nosso país, no sentido de que o povo sabe exatamente quem está escolhendo e para quê, são as de prefeitos, governadores e presidente da República.  Nos países em que o regime de governo é o parlamentarismo ou naqueles de regime presidencialista com apenas dois ou três partidos, também a escolha dos deputados é consistente com a vontade dos eleitores.

No Brasil a eleição dos deputados, que no fim das contas vai definir o que os governos podem realmente fazer, é um tiro no escuro. Ninguém, nem mesmo o cidadão mais sofisticado, tem qualquer noção das consequências do seu voto.

O deputado em nosso sistema praticamente não presta contas de nada. Pode cruzar todas as fronteiras, sejam partidárias, ideológicas ou de valores e fazer todos os acordos que forem convenientes. Esta realidade vem de longe, mas no governo atual chegou a um limite extremo.

Não é possível saber se no futuro algum presidente terá a força e a coragem para desmontar estes arranjos, que desmoralizam qualquer administração e ditam a sua pauta, tornando-a fragmentária, paroquial e alheia às verdadeiras questões que cabe ao governo enfrentar.

A Constituição brasileira, que mudou tanta coisa, não quis  reformar a vida política.  Deu margem à multiplicação de partidos sem nenhuma razão de ser.  Partidos sem projeto, sem propostas, sem relação com o interesse público.

Salvo dois ou três, os outros não são democráticos, são partidos que têm donos e funcionam como cartórios, que distribuem franquias. No final, à revelia de todos, dominam as eleições e o Parlamento.

Enquanto perdurar esta ordem política não há que se falar em incerteza. O que temos, ao contrário, são tristes certezas. A certeza de que o Presidente a ser eleito, qualquer que seja ele, não vai ter maioria na Câmara ou no Senado.   A certeza de   que não precisa perder seu tempo em convencer 10 ou 20 partidos das razões de Estado, das carências da população e da construção de um futuro.

Esta língua republicana não é compreendida num círculo que se acostumou com nomeações e emendas, se possível, secretas, e que tem sob seu controle todas as pautas legislativas e, se necessária, a ameaça dos impeachments. E a certeza de que para governar precisa ultrapassar muitos limites.

No fundo não só o presidente é refém deste sistema infeccioso, mas também a própria população. A verdadeira polarização da eleição de 2022, a que precisa ser resolvida, não é entre pessoas, mas a que separa de um lado a República e a sociedade e, de outro, um sistema de chefetes partidários que tomou para si o Parlamento brasileiro.

Pode parecer impossível, mas vou lembrar Hannah Arendt, quando disse que o homem, de um modo misterioso, é manifestamente dotado para fazer milagres e que os homens, enquanto puderem agir, podem realizar o improvável, e continuamente o realizam.

 

Roberto Brant é ex-ministro da Previdência Social e escreve no Capital Político

Compartilhar notícia

Quais assuntos você deseja receber?

sino

Parece que seu browser não está permitindo notificações. Siga os passos a baixo para habilitá-las:

1.

sino

Mais opções no Google Chrome

2.

sino

Configurações

3.

Configurações do site

4.

sino

Notificações

5.

sino

Os sites podem pedir para enviar notificações

metropoles.comBlog do Noblat

Você quer ficar por dentro da coluna Blog do Noblat e receber notificações em tempo real?