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O inadiável retorno aos quarteis (por Hubert Alquéres)

Os quatro anos do governo Bolsonaro foram anos de ativismo político dos militares

atualizado

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Rafaela Felicciano/Metrópoles
Cerimônia de comemoração do dia do soldado no Quartel General do Exército agenda bolsonaro militares 4
1 de 1 Cerimônia de comemoração do dia do soldado no Quartel General do Exército agenda bolsonaro militares 4 - Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

A doutrina do exército como o grande mudo foi introduzida no Brasil pela Missão Militar francesa, comandada pelo então general Maurice Gamelin. A missão chegou ao Brasil em 1920 para promover a modernização e profissionalização das Forças Armadas. Entendia o seu chefe que os militares deveriam se dedicar exclusivamente às suas funções profissionais e via na introdução da política nos quarteis um fator de corrosão e de quebra da hierarquia e disciplina. Compartilhada pelo marechal Cândido Rondon, a ideia de Gamelin não prosperou e o Brasil viveu um longo ciclo de intervenção militar na vida política nacional, muitos deles traumáticos e de longa duração, como foi o caso dos 21 anos de regime militar.

Esse ciclo foi interrompido pela transição democrática de 1985, possibilitando ao país viver o maior período da sua história republicana sem golpes ou quarteladas. Nem mesmo a morte de Tancredo Neves desviou os militares da rota de se manter nos quarteis e a posse de José Sarney ocorreu na mais absoluta tranquilidade. Isso foi possível graças à liderança do general Leônidas Pires Gonçalves, o avalista da posse do vice-presidente eleito junto com Tancredo.

O retorno organizado dos militares aos quarteis fez bem às Forças Armadas, tornando-as uma das instituições mais respeitadas pelos brasileiros. O paradigma inaugurado em 1985 começou a ser quebrado com a assunção do general Eduardo Villas Boas, tendo como pano de fundo insatisfações dos militares com o relatório da Comissão da Verdade, durante o governo Dilma Roussef. Coincidentemente, ou não, desenvolve-se a partir desse episódio a aproximação do então deputado Jair Bolsonaro com militares de alta patente.

Os quatro anos do governo Bolsonaro foram anos de ativismo político dos militares, com a hipertrofia de sua presença no governo em funções estranhas à sua vocação e ao seu papel constitucional. Houve resistência ao aparelhamento das Forças Armadas e o ex-comandante do Exército Edson Pujol é um exemplo de militares que entendem a instituição a qual pertencem como de Estado e não de governo. Por isso mesmo foi demitido, assim como o então ministro da Defesa, general Fernando Azevedo.

Desde a derrota eleitoral de Bolsonaro, as Forças Armadas têm sido submetidas a uma situação de estresse e de anormalidade. Não é natural sua cadeia de comando divulgar quatro notas oficiais sobre as eleições e o quadro político. Bolsonaristas insatisfeitos com o pronunciamento das urnas pregam o golpe em frente aos quarteis. Com o incentivo de Jair Bolsonaro, seu partido, o PL, dá munição aos manifestantes ao ingressar no TSE com uma contestação parcial às urnas eletrônicas.

O Brasil vive a mais longa e a mais agônica transição, desde a redemocratização do país. Quanto mais se aproxima a posse do novo presidente, mais estridente e mais radical são os atos em frente a quarteis, chegando-se ao ponto de se pregar a convocação de   colecionadores, atiradores desportivos e caçadores a se insurgirem, de armas nas mãos à diplomação do presidente eleito, no dia de sua posse.

Mais grave:  221 oficiais de reserva, entre eles brigadeiros e almirantes e generais, fazem um manifesto pedindo aos comandantes militares que intervenham contra o resultados das urnas. A cadeia de comando parece estar de mãos amarradas e se vê na contingência de fazer ouvido de mercador à pregação feita sob suas barbas, como é o caso deste manifesto de oficiais de alta patente da reserva.

Mas entre a postura condescendente e o apoio, há uma distância. Segundo reportagem da CNN Brasil, a cadeia de comando começa a perceber os efeitos corrosivos na tropa, pois os atos em frente aos quarteis “estariam gerando problemas de segurança e discussões internas dentro das corporações, uma vez, que segundo fonte que participou do encontro (dos três comandantes das FFAA com Bolsonaro), militares inconformados com o resultado das urnas estariam fomentando protestos com a participação de parentes e amigos.

É a “Lei Gamelin” se manifestando mais uma vez. Quando a política entra por uma porta nos quarteis, a disciplina e a hierarquia saem pela outra. Assim, até para a preservação de seus valores, o segundo retorno dos militares aos quarteis é inadiável. Só desta forma é que poderão se dedicar exclusivamente às suas funções constitucionais. O restabelecimento do primado do poder civil é condição necessária para que isto aconteça e se materializa pela escolha de um novo ministro da Defesa que não venha do mundo castrense.

Quanto maior a demora de Lula em anunciar o nome do futuro ministro da Defesa, maior será a instabilidade desse período de transição entre governos.

O vácuo é extremamente perigoso em área tão sensível. O presidente eleito parece ter entendido isso. Queimou a etapa de formar um grupo de transição da defesa ao anunciar que na próxima semana divulgará os três comandantes militares de seu governo.

A tendência é a observância do critério da antiguidade, tão caro às Forças Armadas. No pacote virá também o anúncio do novo ministro da Defesa, muito provavelmente o ex-presidente do TCU José Múcio Monteiro, um conservador com trânsito em todos os campos políticos. Da esquerda até Bolsonaro, que o queria como ministro de seu governo.

Espera-se que o espírito conciliador de José Múcio e a indicação dos novos comandantes das três armas contribuirão para que a passagem do bastão na cadeia de comando venha a ser o primeiro passo para o impostergável retorno dos militares aos quartéis.

Só assim o exército voltará a ser o grande mudo, como defendia o marechal Cândido Rondon.

 

Hubert Alquéres é membro da Academia Paulista de Educação.

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