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O Expresso Carandiru na Cop 26 (por Felipe Sampaio)

O Brasil é terceiro no ranking de população prisional, atrás dos EUA e da China. Em 2005, 58% dos presos eram negros, hoje são 67%

atualizado

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A 26ª conferência da ONU sobre mudança climática (COP26), agora em novembro, é uma ocasião oportuna para entendermos que tudo na natureza está interligado, como um organismo único. Isso inclui a humanidade e sua produção econômica e cultural, suas atitudes e valores.

Exemplo dessa conexão são os resultados preliminares que o Fórum Brasileiro de Segurança Pública antecipa, de um mapa da influência do crime organizado sobre as atividades ilegais que ocorrem na Amazônia (Cartografias das Violências na Região Amazônica).

O estudo, mesmo estando em andamento, sugere uma relação entre a presença de facções, a disputa de poder nas penitenciárias e as atividades ilegais que ocorrem na região.

Minha geração espantou-se com dois eventos marcantes no mundo carcerário. O primeiro deles foi a exibição, em 1980, do filme O Expresso da Meia Noite, dirigido por Alan Parker com roteiro de Oliver Stone.

Tratava de um americano preso na Turquia tentando embarcar para casa com pacotes de haxixe embaixo da roupa. Passou anos nas prisões turcas, sofrendo torturas de fazer inveja aos agentes americanos mais entusiasmados de Abu Ghraib e Guantánamo.

O outro caso foi o desfecho da ocupação policial do Carandiru, com a morte de mais de uma centena de presos. Uma década depois do Expresso, Carandiru (que também chegou às telas pela lente de Héctor Babenco) nos avisava de um cenário que hoje domina a governança informal de um sub Estado que adiciona mais uma ameaça à soberania da Amazônia.

Deixo a análise da gestão prisional brasileira para quem entende do assunto. Costumo tratar as questões de segurança pública sob dois outros ângulos que antecedem o caso de polícia: a ausência do Estado e a desigualdade social.

O Brasil é um desses países inventados para que os colonizadores raspassem o tacho até o fundo dos recursos naturais com mão de obra escravizada. Deu sorte de não estar ainda pior, porque o Rei precisou fugir para cá, trazendo dinheiro, governo e algum desenvolvimento. Em seguida, seu filho resolveu fazer daqui um reino próprio, livrando-nos de parte do atraso português de então.

As políticas baseadas na escravização de africanos e na expropriação da riqueza local ao longo de quatro séculos, deixaram no Brasil heranças estruturais das quais a sociedade ainda não se livrou, como o racismo e a desigualdade.

No sistema penitenciário persiste a ideia de banimento ou da purificação pelo martírio. No fim, sai mais barato e lucrativo enjaular os indesejáveis de qualquer jeito, do que resolver a questão da desigualdade e do papel do Estado.

O Brasil é terceiro no ranking de população prisional, atrás dos EUA e da China. Em 2005, 58% dos presos eram negros, hoje são 67%. Tem 800 mil presos onde só cabe a metade. Desses, 85% nem terminaram o ensino fundamental, mas só 10% estudam e só 15% trabalham na prisão.

Até 2018, quase a metade dos presos não tinha sequer condenação. O sujeito entra suspeito e sai culpado, formado numa espécie de Sebrae do crime, filiado a uma facção, armado, com cargo garantido do tráfico.

Os vazios de poder deixados pela sociedade e pelo Estado que a representa são ocupados por formas de governo paralelo. O sistema parou no tempo. As penitenciárias brasileiras lembram Alcatraz e a Ilha do Diabo. É como se estivéssemos em clássicos como O Conde de Monte Cristo, Papillon ou Os Miseráveis.

Políticas preventivas e ressocialização são agendas caras demais para um país que deixou de ser colônia europeia para ser colonizado pela Escola de Chicago. O problema é que, por mais que as prisões estejam cheias, o crime é um ente fluido, que não respeita grades.

Por incrível que pareça, é de dentro das prisões que se comanda a insegurança que ameaça até a Amazônia. Quanto mais as penitenciárias se parecerem com a selva, menos segurança haverá na Floresta.

 

Felipe Sampaio é cofundador e colaborador do Centro Soberania e Clima (CSC) e ex-secretário-executivo de Segurança Urbana do Recife (2019-2020); https://capitalpolitico.com/

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