metropoles.com

O Essequibo (por José Sarney)

O Brasil tem um compromisso com a defesa da paz e a solução pacífica dos conflitos

atualizado

Compartilhar notícia

Editoria de Arte/Metrópoles
Arte colorida sobre Mapa da disputa entre Venezuela e Guiana - Metrópoles
1 de 1 Arte colorida sobre Mapa da disputa entre Venezuela e Guiana - Metrópoles - Foto: Editoria de Arte/Metrópoles

Neste domingo a Venezuela fez um plebiscito para decidir sobre a anexação do Essequibo, velha disputa de fronteira rediviva por Hugo Chávez. Se não valessem as arbitragens, teríamos também direitos na região, mas o Brasil sempre honrou seus compromissos. Em várias ocasiões tratei dessa questão. Em 2007, perguntei em artigo: “Para que a Venezuela está se armando?” Em 2015 a invasão esteve por um triz, e escrevi o seguinte:

“A Venezuela, no tempo de Chávez, fez uma grande escalada armamentista. Expus em jornais e no Senado minha preocupação com o que considero estar por trás dessa iniciativa: a conquista do Essequibo, região que ocupa 2/3 do território da Guiana.

“Esta é uma velha questão que tinha sido resolvida e foi ressuscitada. Os holandeses se instalaram na região em 1616. Depois das guerras napoleônicas, em 1824, o território foi cedido à Inglaterra. Ao definir o limite da Venezuela como o Orinoco, Bolívar reconhecia esse domínio. Mas a partir de 1844 os venezuelanos passaram a dizer que seu território ia até o rio Essequibo. No fim do século XIX a Venezuela, tendo como intermediários os Estados Unidos, propôs, e a Inglaterra aceitou, submeter a dúvida sobre a fronteira com a Guiana a um árbitro. O Laudo Arbitral definiu como fronteira o Orinoco. Os países aceitaram a decisão.

“Nós também levamos a um árbitro a questão de nossa fronteira com a Guiana. Contestávamos a região do Pirara. Apesar da defesa brilhante de Joaquim Nabuco, perdemos o acesso à bacia do Orinoco e quase 20 mil km2. Rio Branco encerrou o assunto.

“Mas a Venezuela, em 1962, reabriu a questão, contestou, depois de tanto tempo, o Laudo Arbitral. O pretexto foi uma declaração póstuma de um consultor da Venezuela em 1899 de que teria havido uma negociação política entre ingleses e o presidente do Tribunal Arbitral, um jurista russo.

“Sob a égide da ONU chegou-se, em 1966, ao Acordo de Genebra. Em seguida estabeleceu-se um Processo de Bons Ofícios, pelo qual qualquer decisão se daria por meio diplomático e consensual. Seu Artigo V dispõe que nenhum ato ou atividade realizada na vigência do Acordo criará qualquer direito de soberania sobre a região objeto da controvérsia.

“O Ministro Gibson Barbosa, em suas memórias, fala de uma proposta venezuelana ao Brasil para reabrirmos a questão do Essequibo e ficarmos com uma parte do território conquistado. O Brasil teria se recusado a tratar do assunto, em nome da paz no continente e a estabilidade de nossas fronteiras. Quando eu fui Presidente tentei fazer um acordo com a Guiana para termos um entreposto em Georgetown que nos daria acesso ao Caribe, como escoadouro da produção da Zona Franca de Manaus. Construiríamos uma estrada da fronteira até Georgetown. A Venezuela não permitiu, justamente questionando a soberania da Guiana nesse território.

“Em 1999 a primeira Constituição ‘bolivariana’ mudou o artigo que estabelecia como limites os resultantes de ‘tratados celebrados validamente’ para os de ‘tratados e laudos arbitrales no viciados de nulidade’.

“Vieram as compras de armas. Muitas armas. A intenção, para quem conhece a História, era clara: avançar sobre a Guiana.

“A bandeira da Venezuela recebeu uma nova estrela — representando o povo do Essequibo. Em 2009 e no ano passado [2014] a Venezuela protestou contra a cooperação entre Brasil e Guiana em projetos de infraestrutura, como a ponte sobre o rio Tacutu, que os une. Por outro lado Chávez e Maduro faziam declarações de obediência ao processo diplomático, pois a Guiana era comandada desde 1992 pelo Partido Progressista do Povo (PPP), socialista.

“Em maio assumiu novo presidente da Guiana, David Granger, antigo comandante militar, da oposição ao PPP. Logo depois a Exxon Mobil anunciou a descoberta de petróleo na plataforma continental da Guiana diante da região do Essequibo. Em seguida a Venezuela criou uma ‘Região Estratégica de Defesa Integral Marítima e Insular’ que compreende esta área. Na reunião dos chefes de Estado da Unasul, Maduro pede uma reunião para discutir ‘o desafio a sua sobrevivência’. Há 15 dias Maduro foi à ONU pedir sua interferência, enquanto o Coronel Pompeyo Torrealba, encarregado de ‘recuperar’ o Essequibo, anunciava que pretende registrar como venezuelanos os 200 mil habitantes da região. O mesmo coronel, falando aos chefes militares, disse que recebeu ordem de Maduro para ‘recuperar lo que de manera legal, territorial e históricamente nos pertenece, el Esequibo’.

“A Venezuela segue um caminho comum nos regimes autoritários: a conquista territorial, que se torna força de coesão nacional. Hitler deixou o modelo mais acabado com os sucessivos avanços sobre a Áustria, o Sudeto, a Polônia… A reação demora, e o preço é sempre alto.”

O resultado do plebiscito deste domingo foi o esperado, pela anexação, com 95% dos votos. Esperemos que a consequência não seja uma invasão, que resultaria também num retrocesso da tímida redemocratização em curso. Mas o Brasil tem um compromisso com a defesa da paz e a solução pacífica dos conflitos — está na Constituição — e sempre se empenhará nesse sentido.

 

José Sarney, ex-presidente 

Compartilhar notícia

Quais assuntos você deseja receber?

sino

Parece que seu browser não está permitindo notificações. Siga os passos a baixo para habilitá-las:

1.

sino

Mais opções no Google Chrome

2.

sino

Configurações

3.

Configurações do site

4.

sino

Notificações

5.

sino

Os sites podem pedir para enviar notificações

metropoles.comBlog do Noblat

Você quer ficar por dentro da coluna Blog do Noblat e receber notificações em tempo real?