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Nossa viagem sem destino (por  Roberto Brant)

Estamos diante de uma das eleições mais vazias de nossa história. No mês de outubro estaremos embarcando para  uma viagem sem destino

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krisanapong detraphiphat/ Getty Images
Pessoa depositando voto
1 de 1 Pessoa depositando voto - Foto: krisanapong detraphiphat/ Getty Images

As eleições de outubro, vistas de  agora, parecem um jogo de vida e morte para todos nós, mas no fundo não passam de uma pura luta pelo poder. Todos sabemos, ou deveríamos saber, que o poder político entre nós é reserva de grupos e interesses muito restritos e passa muito longe de quase toda a população. Essa luta, portanto, não é a luta de quase nenhum de nós, pois nada do que sonhamos ou desejamos está propriamente em jogo. Vamos às urnas, até por uma absurda obrigação legal, que não deveria existir numa sociedade civilizada e livre, sem uma verdadeira esperança de vencer, apenas com o propósito de perder o menos possível.

Faço parte de uma geração que sonhou muito alto com o Brasil, pois nascemos e nos tornamos adultos num tempo em que nosso país se desenvolvia rapidamente na economia, na cultura e nos esportes. Éramos um povo que começava a se afirmar e a cultivar a autoestima. Nossa ilusão foi logo interrompida. A primeira coisa que perdemos foi a liberdade, e a perdemos tão completamente que lá pelos idos dos anos 70 grande parte dos brasileiros chegou a perder a vontade de ser livre e apoiou sem constrangimentos o regime dos generais.

O regime militar, como quase todos os sistemas de governança autoritária, teve êxitos no seu início ao executar sem oposição reformas modernizadoras há muito necessárias. Terminou, no entanto, em fracasso e caiu sozinho, deixando como legado um país em crise e ameaçado de colapso, com inflação sem controle, baixo crescimento e próximo ao calote de sua divida com o mundo.

Ainda convalescendo dos efeitos da ditadura no caráter e nos sonhos de todos nós, nos reunimos para votar uma nova Constituição democrática. Ela foi escrita basicamente com os olhos no passado e foi generosa nas promessas, mas nela veio embutido um pacto social perverso, no qual os prêmios efetivos ficaram com as altas burocracias do Estado e alguns interesses organizados, restando às grandes maiorias apenas as belas proclamações, quase sempre irrealizáveis, com a notável exceção do Sistema Único de Saúde, um claro avanço civilizatório.

O pior defeito da Constituição foi ter cristalizado uma ordem política velha e desconectada das grandes mudanças sociais que vinham ocorrendo no país desde os anos 50. Instituições políticas são padrões  que se estabelecem em resposta às necessidades de um determinado período histórico. De 1950 até 1980 a sociedade e a economia brasileira mudaram completamente e o sistema político existente não era capaz de lidar com a emergência de novos atores, de novas relações sociais e as grandes mudanças tecnológicas, mas mesmo assim o Constituinte de 1988 optou por não mudar nada no funcionamento das instituições políticas. Os políticos, como ostras, se agarravam aos troncos carcomidos da velha ordem para conservarem para sempre o seu poder. Esta é a ordem que ainda nos governa.

Muitos  governos se sucederam,  mas o país permaneceu basicamente estagnado, a pobreza e a desigualdade continuaram muito altas, o Estado tornou-se impotente  para buscar o crescimento e  para corrigir as desigualdades e a agenda política virou  apenas um palco para conflitos sobre trivialidades, preconceitos e delírios ideológicos, nada de importante ou de construtivo. Mais do que um problema de homens, o problema brasileiro é uma questão das instituições. Sem que elas mudem, nada mudará de fato na vida das pessoas.

No horizonte de qualquer sociedade civilizada duas metas estão acima de qualquer coisa : a liberdade democrática e o progresso econômico  para as grandes maiorias. Toda eleição deveria ser um debate sobre os caminhos para aqueles destinos. Não é o que estamos vendo.

A idade madura nos ensina que não podemos ter muita certeza sobre nada e que é preciso ter muita humildade diante das questões da história. No entanto, não tenho receio de dizer que estamos diante de uma das eleições mais vazias de nossa história e que no mês de outubro não estaremos escolhendo nada, apenas embarcando para  uma viagem sem destino.

 

Roberto Brant é ex-ministro da Previdência Social e escreve no Capital Político

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