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Matar e morrer na Ucrânia por quê? (Por Wallace de Moraes)

O que pode justificar uma guerra que tire vidas?

atualizado

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Anadolu Agency /Getty Images
Pessoa sendo retirada de dentro de um prédio em chamas
1 de 1 Pessoa sendo retirada de dentro de um prédio em chamas - Foto: Anadolu Agency /Getty Images

Em meados do século XVI, Étienne de La Boétie escreveu o “Discurso da servidão voluntária”. Sua preocupação dizia respeito às causas da dominação de poucos sobre muitos, e a como estes aceitam: “De onde um só tira o poder para controlar todos?”.

Quando um homem determina que outros milhões caminhem para a guerra, é algo questionável, mas que alcança o paroxismo quando essas pessoas obedecem. A guerra não tem outro significado além de matar e morrer. Matar quem e morrer por que ou por quem? Certamente, soldados são enviados para guerras para eliminar pessoas que jamais viram na vida. Pessoas que têm famílias, paixões, histórias, sentimentos. Nesse ínterim, crianças, mulheres e idosos são assassinados; prédios, esculturas, estradas, construídos por várias gerações, são destruídos instantaneamente por bombas.

As perguntas que devemos fazer são:

1) o que pode justificar uma guerra que tire vidas?

2) como uma guerra pode ser aprovada sem um plebiscito que expresse a vontade da maioria? Regimes que aprovam guerras sem consulta popular podem ser considerados democracias?

3) por que quem declara guerra não vai para o front como parte da infantaria do seu exército? É covarde alguém declarar guerra e ficar num palácio em absoluta segurança? Os filhos das elites servem aos quartéis ou, majoritariamente, jovens pobres, sem perspectiva, seguem a vida militar? Os corpos dos soldados são tidos como sub-humanos e não representam nada para os governantes que impõem a guerra?

O militarismo e a sua lógica não existem apenas na Rússia e na Ucrânia. O colonialismo, como nos ensina Frantz Fanon, foi resultado direto do militarismo. Foram homens armados dos Estados europeus que subjugaram, escravizaram e humilharam milhões de indígenas e africanos que consideravam abaixo da linha da humanidade, como advogam teóricos contra os resquícios do colonialismo (da Teoria Decolonial). Os regimes nazifascistas do século XX tinham o militarismo e o paramilitarismo como pontas de lança, assevera Michel Foucault. Dessa maneira, judeus e todos considerados de esquerda foram perseguidos, presos e enviados para campos de concentração, como se animais fossem para o abate.

Nos dias atuais, milhões do nosso orçamento são destinados para compra e manutenção de armamentos, enquanto em escolas e hospitais falta o básico. É importante destacar que o atual governo incrementou o orçamento para a pasta dos militares.

Nosso presidente declarou neutralidade diante do que vem acontecendo na Ucrânia. É desalentador, mas talvez explique por que nossos militarismo e paramilitarismo matam jovens negros e indígenas, também considerados sub-humanos, nas favelas, periferias e florestas. Passaram-se cinco séculos, porém, infelizmente, ainda não temos respostas à questão de La Boétie.

 

Wallace de Moraes é professor do Departamento de Ciência Política da UFRJ; artigo publicado em O Globo

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