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Jóias de Bolsonaro ofuscam Lula (por Mary Zaidan) 

Escândalo dos muambeiros de farda também reduziu o espaço para críticas ao Novo PAC 

atualizado

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Yanka Romão/Metrópoles
Arte mostra desenhos dos candidatos à presidência Lula e Bolsonaro sob as cores, respectivamente, vermelho e azul - Metrópoles
1 de 1 Arte mostra desenhos dos candidatos à presidência Lula e Bolsonaro sob as cores, respectivamente, vermelho e azul - Metrópoles - Foto: Yanka Romão/Metrópoles

A data, escolhida a dedo – 11 de agosto, dia simbólico para a democracia -, e o local, o Rio de Janeiro, base eleitoral do ex Jair Bolsonaro, onde foi montado um palanque amplo e diverso, que ia da direita à extrema esquerda. Tudo imaginado para ser um arrebatador sucesso. Só não dava para prever que o lançamento do Novo PAC, definido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva como o início de seu terceiro mandato, fosse ofuscado pelas joias das Arábias – e todo o enredo ultrajante e repugnante que as cercam, incluindo cenas de pastelão.

A operação deflagrada na sexta-feira pela Polícia Federal mirou Mauro Cid, ex ajudante de ordens de Bolsonaro, preso por fraudar atestados de vacinas contra a Covid-19, e seu pai, o general da reserva Mauro Cesar Lourena Cid, além de Frederick Wassef, advogado e amigo do ex, o mesmo que escondeu Fabrício Queiroz, suspeito de participar do esquema de rachadinha do filho 01, senador Flávio Bolsonaro. Todos envolvidos na venda ilícita de presentes ofertados por chefes estrangeiros a Bolsonaro durante o seu mandato e que deveriam ter sido incorporados ao patrimônio nacional. Relógios e outras joias, além de bibelôs de mesa folheados a ouro.

O pai de Cid, general da reserva que de 2019 a 2022 dirigiu o escritório da Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos) nos Estados Unidos, localizado em Miami, integrou o Alto Comando do Exército, e era tido como quadro de elite da corporação. É amigo do peito de Bolsonaro, de quem foi colega ainda nos tempos em que o ex vestia farda. Dele, partiu a prova mais irrefutável da lambança: uma foto do coqueiro de ouro, cuja caixa refletia a imagem do fotógrafo – ele próprio, o general.

Há outras dezenas de provas, como as mensagens de texto e voz trocadas por Cid com o pai e auxiliares, entre elas a recomendação de que US$ 25 mil fossem entregues ao ex-presidente, em dinheiro vivo. “Meu pai estava querendo falar com o presidente (…) E aí ele poderia levar. Entregaria em mãos. Mas também pode depositar na conta (…). Eu acho que quanto menos movimentação em conta, melhor né?”

Mas nem a festa grandiosa, com presença de 20 dos 26 governadores e 30 ministros, nem o anúncio de obras no valor monumental de R$ 1,7 trilhão conseguiriam fazer frente a contrabandistas de elite, com mulas oficiais e até transporte da muamba em avião presidencial.

No Jornal Nacional da sexta-feira, o escândalo da venda das joias ocupou 20 minutos, o lançamento do PAC, três. O mesmo se repetiu nas primeiras páginas dos jornais de circulação nacional do sábado, nas quais o Novo PAC se resumiu a chamadas tímidas enquanto as manchetes foram ocupadas pelos trambiqueiros bolsonaristas.

Visto pela outra face da moeda, talvez tenha sido melhor assim. Afinal, o PAC 3 gera desconfiança e não está com a bola toda que Lula tentou dar.

Ainda que o volume de recursos envolvidos seja fenomenal, há vícios de origem, como a forte participação de bancos oficiais e empresas estatais, além da previsão de aporte da iniciativa privada, que, com razão, tem pés e mãos atrás para colocar energia em projetos que replicam o mesmo modelo que deu errado nas duas versões anteriores.

Vale repetir alguns números do artigo publicado neste espaço há dois meses – “Aqui jaz o Brasil” –  no qual destaquei que o país é um cemitério de obras públicas, que enterra dinheiro do pagador de impostos e perpetua a pobreza enquanto irriga votos e enche os bolsos dos privilegiados de sempre.

De acordo com levantamento do Tribunal de Contas da União, 41% das 21 mil obras públicas do país estão inacabadas. Parte significativa desse estoque tem origem no PAC, criado por Lula em 2007. Coordenado à época pela então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, que Lula apelidou como “mãe do PAC” para embalar a vitoriosa campanha dela à sua sucessão, a iniciativa teve baixíssima execução. No primeiro biênio, alcançou apenas 9,8% de obras concluídas e mais de 60% dos projetos nem mesmo saíram do papel, de acordo com a ONG Contas Abertas. Em 2016, quase 10 anos depois, o PAC sucumbiu com menos de 17% dos 29 mil empreendimentos terminados.

As aprontações de Bolsonaro, presidente que já foi e que muito tem a explicar para a Justiça, são alimentadoras de holofotes até pelo surrealismo dos enredos – tanto das joias quanto das ações golpistas.

Já Lula tem mais de três anos para fazer crer que desta vez o seu PAC é para valer. Para tal, não poderá ceder espaço à corrupção, que fez a alegria de muitos companheiros mas botou as duas outras edições e os governos petistas sob suspeição. Terá de ir além do discurso e entregar mais. Em tese, se não se encantar com as joias fáceis – e as seduções são muitas, como se viu em mandatos anteriores -, tem chance de brilhar sem que nada possa ofuscá-lo.

Mary Zaidan é jornalista 

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