metropoles.com

Inelegível enquanto dure (por Mary Zaidan)

No Brasil, presidentes condenados são perdoados de acordo com a conveniência da vez

atualizado

Compartilhar notícia

Rafaela Felicciano/Metrópoles
TCU Jair Bolsonaro
1 de 1 TCU Jair Bolsonaro - Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

Tchau, querido! Imbroxável, imorrível, inelegível! Essas e outras frases, memes e brindes ocuparam as redes e os bares em comemoração à punição de Jair Bolsonaro, proibido pelo TSE de disputar eleições até 2030. Festa legítima de quem aturou o ex por quatro anos, ou melhor, quase 30 anos. Mas como no Brasil dois mais dois nem sempre somam quatro, é preciso incluir na conta a conveniência da vez. Pelo menos é o que dita a história recente de presidentes e ex-presidentes condenados – todos perdoados.

Fernando Collor de Mello, primeiro presidente eleito pós-ditadura, durou pouco. Tomou posse em 1990 e renunciou em 1992 minutos antes de o Senado cassar o seu mandato. Tentou sem sucesso evitar a inelegibilidade por 8 anos. A Justiça considerou que ele deixou a Presidência antes da votação do impeachment para não perder os direitos políticos, punição constitucional associada à supressão do mandato. Passados 26 anos, Dilma Rousseff, cassada pelo Senado, foi perdoada da inabilitação política com o aval do ministro Ricardo Lewandowski, presidente do Supremo e das sessões do impeachment.

As acusações contra Collor envolviam contas no exterior – a famosa Operação Uruguai -, tretas com caixa dois, desvios de dinheiro público. Na esfera criminal, tudo andou a passos de tartaruga. Em 1994, o STF arquivou um dos vários processos contra ele, mas o ex continuou inelegível. Foi gastar sua grana em Miami, onde ficou até 1998, quando tentou disputar a Prefeitura de São Paulo, embora ainda inelegível. De volta a Alagoas, elegeu-se senador em 2006 e 2014. Só agora, em 2023, foi condenado por crimes conhecidos há anos. Réu da Lava-Jato, foi sentenciado a 8 anos e 10 meses em regime fechado. Continua solto.

Dilma perdeu o mandato em agosto de 2016 por 61 a 20 votos dos senadores. Para ela – e só para ela -, abriu-se uma estranha interpretação constitucional pela qual os direitos políticos poderiam ser apreciados em separado, contrariando o artigo 52 da Carta. Com isso, a presidente cassada foi autorizada por 42 votos a 36 a continuar gozando do direito de votar e ser votada. Na eleição seguinte, candidatou-se ao Senado por Minas Gerais, sendo fragorosamente derrotada.

Em 2017, o sucessor Michel Temer se livrou de perder o mandato por um tecnicismo processual. Por 4 votos a 3, o TSE entendeu que a chapa Dilma-Temer não poderia ser condenada por abuso de poder político e econômico, não por ausência de provas, mas porque parte delas foi juntada ao processo no curso do julgamento. Essa, aliás, é a jurisprudência a qual a defesa de Bolsonaro se apega, embora sejam casos absolutamente diferentes.

No processo Dilma-Temer as novas provas eram parte central da ação, enquanto no de Bolsonaro o documento golpista encontrado na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres foi adicionado como complemento à ação. De qualquer forma, nada disso tem importância visto que em 2019 o TSE derrubou a jurisprudência que havia sustentado a não condenação de Dilma-Temer.

Com Luiz Inácio Lula da Silva os caminhos entre condenação, prisão, soltura e anulação de processos parecem ficção. Preso em abril de 2018 por determinação do então juiz Sérgio Moro, Lula teve seus oito anos de pena por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do triplex do Guarujá ampliados para 12 anos na segunda instância (TRF da 4ª Região). Em abril do ano seguinte, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), portanto, uma terceira instância, reduziu a pena para 8 anos e 10 meses. Pelo sítio de Atibaia, somaram-se outros 12 anos e 11 meses, também em duas instâncias.

Passados 580 dias, Lula foi solto por uma mudança de entendimento da Suprema Corte quanto à prisão após condenação na segunda instância. Por 6 x 5, alterou-se o que o mesmo STF decidira em 2016, três anos antes.

Os lances seguintes envolvem peculiaridades jurídicas, prazos e foro. A narrativa de Lula de absolvição em todos os processos da Lava-Jato está longe da verdade. No caso do triplex, o STF apontou suspeição de Moro e anulou o processo. No do sítio e também em duas ações contra o Instituto Lula, a Corte entendeu que as ações deveriam ter sido originalmente alocadas no Distrito Federal e não em Curitiba. No DF – para alegria da defesa e do réu – considerou-se que os processos estavam prescritos. Ainda que possa existir alguma lógica jurídica, estranha-se o entendimento tardio.

Por outras e essas, talvez seja precipitado ter como certo Bolsonaro fora do jogo e eleger desde já possíveis candidatos para o seu lugar.

Poucos minutos depois de o ex-presidente ser declarado inelegível, uma proposta de anistia para crimes de natureza política e eleitoral praticados no pleito de 2022 chegava à mesa da Câmara. Da lavra do deputado Adilson Barreto (PL-SP), a acintosa iniciativa dificilmente terá êxito. Mas quem hoje arrisca a dizer – só de pensar dá arrepios – como estará a correlação de forças do Judiciário nos próximos anos? Dos 11 juízes de agora, oito têm mandatos até 2030, a maioria além disso. Mas as tramas ungidas no Parlamento podem mudar a vitaliciedade. Ou, sabe-se lá, posições supremas são revistas. Como demonstrado, não seria a primeira vez. Dá aflição – e medo.

Mary Zaidan é jornalista 

Compartilhar notícia

Quais assuntos você deseja receber?

sino

Parece que seu browser não está permitindo notificações. Siga os passos a baixo para habilitá-las:

1.

sino

Mais opções no Google Chrome

2.

sino

Configurações

3.

Configurações do site

4.

sino

Notificações

5.

sino

Os sites podem pedir para enviar notificações

metropoles.comBlog do Noblat

Você quer ficar por dentro da coluna Blog do Noblat e receber notificações em tempo real?