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Há que ter imenso talento para pacificar o país (Por Sérgio Vaz)

Se o governo Lula tiver o tom do primeiro discurso, pode conseguir o que parece impossível

atualizado 31/10/2022 3:09

Luiz Inácio Lula da Silva beija a sua esposa Janja após pronunciamento de vitória - Metrópoles Fábio Vieira/Metrópoles

Ao longo de todas as semanas que antecederam este 30 de outubro, na campanha presidencial mais polarizada desde a redemocratização, mais suja, mais baixa, mais guiada pelas mentiras e pela rejeição aos candidatos do que por propostas para o país, sempre houve, me parece, neste mundo e neste Brasil de tantas dúvidas, duas certezas. A de que não era uma disputa entre esquerda e direita, e sim entre democracia e ditadura, entre civilidade e barbárie. E a de que, encerrada a eleição, seria preciso tentar pacificar o país.

Bem, o lado da democracia, da civilidade venceu. Ainda bem. Felizmente. Graças a Deus, a todos os deuses, todos os santos de todas as religiões, todos os orixás.

Mas é uma dureza, é uma tristeza infinita vermos que mais de 58 milhões e 200 mil brasileiros votaram em um sujeito que se orgulha por representar a ditadura, a incivilidade, a barbárie, a grossura, a falta de educação. Que começou a vida pública com planos terroristas contra instalações do próprio Exército, e, passado para a reserva num acordo para fugir de punição mais rigorosa, virou político sempre medíocre. Que só aparecia por brindar os grupamentos mais radicais da extrema direita com discursos tipo a ditadura tinha que ter matado muito mais gente, Fernando Henrique Cardoso deveria ser fuzilado, você não merece ser estuprada, etc, etc, etc, etc.

Mais de 58 milhões e 200 mil brasileiros votaram agora no pior presidente que o Brasil já teve, Fernando Peixoto, Garrastazu Médici e Fernando Collor de Mello incluídos! O sujeito que fez o que ele fez durante a pior pandemia que atingiu o país nos últimos cem anos! O cara que fez piada com os doentes de Covid que não conseguiam respirar!

Como é possível querer agora reunificar o país, pacificar as famílias, fazer com que convivam harmoniosamente as pessoas que votaram nesse monstro e os outros mais de 60 milhões e 344 mil, que têm profundo ódio de tudo, absolutamente tudo o que ele representa?

Como querer agora uma convivência pacífica entre os admiradores de Roberto Granada Jefferson, Carla Pistola Zambelli, Damares a Tarada da Goiabeira, de um lado, e os brasileiros de bem do outro?

Como eu vou conseguir conversar na boa agora com a minha amiga curitibana bolsonarista raiz, minha prima belo-horizontina bolsonarista, minha amiga e ex-namorada de família de intelectuais judeus que virou fã do fascista – e como elas vão conseguir conviver comigo, se percebemos agora que somos opostos em absolutamente tudo?

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Tem parecido uma verdade inconteste que a polarização está aumentando em todo o mundo. Que nunca as sociedades foram tão divididas quanto agora.

As indicações são de fato essas – até mesmo os parágrafos logo acima, em que eu, uma pessoa que sempre defendeu a convivência dos díspares, dos antagônicos, deixei extravasar minha indignação com quem defende o que o bolsonarismo significa.

Mas será mesmo verdade? Nunca antes neste mundo de Deus e o diabo as sociedades foram tão divididas?

Vejamos os exemplos dos Estados Unidos, o país mais rico que já houve no planeta. Sim, são um país dividido radicalmente ao meio hoje – são os Estados Desunidos da América. Perto da metade é apaixonadamente pró-direito ao aborto, perto da outra metade é apaixonadamente contra. O mesmo quanto à pena de morte. O mesmo quanto ao caráter do ensino – religioso ou laico, pró-Evangelho ou pró-Ciência, a Bíblia ou Darwin.

Temos aí Donald Trump, que ajudou a radicalizar cada vez mais a desunião dos Disunited States of America, é bem verdade. Mas essas divisões são quase tão antigas quanto a preferência da maior parte dos animais em andar para a frente – essa coisa contra a qual Bolsonaro e os bolsonaristas se insurgem violentamente, favoráveis que são a que a sociedade retorne ao tempo do faroeste e em seguida às cavernas.

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A tarefa de pacificar o país não será nada fácil. Eu diria que ela é mais difícil ainda do que encontrar um mínimo múltiplo comum entre os economistas reunidos pela frente ampla que apoiou a candidatura Lula para elaborar um plano de governo que consiga enfrentar a dívida pública incomensurável deixada pelo bolsonarismo e a necessidade de combater a miséria de imensa parte da população.

Há tarefas para o novo governo que não são tão espinhosas assim. Trabalhar pró meio ambiente, isso é quase baba. É só refazer o esquema que já existia e que foi destruído pelo desgoverno Bolsonaro: joga fora tudo o que foi (des)feito nos últimos quatro anos, reinstaura o que havia antes, melhora uma coisa aqui, outra ali, e pronto.

A presença do Brasil no mundo, isso vai por si só. O mundo está eufórico com a volta do Brasil ao concerto das nações.

O maior problema é pacificar o país.

Devo dizer – eu que nunca fui petista nem lulista, muitíssimo antes ao contrário; que só havia votado uma única vez no PT, quando, no segundo turno de 1989, a opção era entre Collor e Lula – que, se o presidente eleito governar com talentos tão bons quanto o do redator do primeiro discurso pós-vitória… Meu… Teremos quatro anos maravilhosos pela frente.