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Crise política no Peru vai longe

País vive conflito institucional e insatisfação com o modelo econômico liberal

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mulher de terno azul sorrindo - metrópoles
1 de 1 mulher de terno azul sorrindo - metrópoles - Foto: Foto: Getty Images

A crise política peruana faz o país sangrar. São mais de cinquenta mortos e milhares de feridos. O governo da presidente Dina Boluarte usa a violência do Estado e tenta ignorar que manifestantes – e vândalos – são efeito de uma impaciência popular alimentada por uma década de conflitos entre os Poderes. Parte da sociedade decidiu participar do jogo e pressiona por eleições gerais imediatas – o que não encontra eco nem no Executivo nem no Legislativo.

Nesse impasse, Boularte enviou para o Congresso um projeto para antecipar as eleições gerais de 2026 para abril do ano que vem. Será o suficiente para acalmar as ruas? Em entrevista a veículos internacionais, a presidente associou os atos ao narcotráfico e culpou os próprios manifestantes por algumas mortes – eles estariam atirando entre si –, ao invés de reconhecer e investigar os excessos das forças de segurança.

Mais que a renúncia de Boularte e a volta de Pedro Castillo, as manifestações exigem uma Assembleia Constituinte para substituir o texto atual, da época de Alberto Fujimori (qualquer semelhança com o Chile não é mera coincidência) e uma resposta do Judiciário à repressão policial que ocorreu neste ano.

A tentativa de golpe e a prisão do ex-presidente Pedro Castillo são o estopim de um processo de personalização da política, enfraquecimento dos partidos e insatisfação com o modelo econômico liberal, que enriqueceu a elite, empobreceu a população e extermina com as riquezas minerais. Pode-se dizer que a infraestrutura peruana melhorou – bancada com dinheiro chinês – justamente, porém, para atender as demandas do mercado.

A última vez que estive em Lima, há dez anos, perguntei a um jornaleiro quais as inclinações políticas dos diversos jornais que povoavam sua banca (sim, em Lima os jornais não são banheiros de pets). Quais são de direita, quais de esquerda, que partidos? Com um sorriso irônico ele respondeu que isso não existia. Cada jornal defendia um líder político. Um diário para o ex-presidente Alan Garcia, outro para Alejandro Toledo, outro para os Fujimori. Seus editoriais navegavam pelas decisões e contradições deles.

As ruas exalam os rostos e costumes da ancestralidade inca, enquanto na tevê desfilam corpos europeus, representando parte da elite do país. Ainda que simbolicamente, o ex-presidente Pedro Castillo quebrava esse modelo. Professor, líder sindical, orgulhoso de suas raízes indígenas, representa a maior parte da população. Mas com um discurso à esquerda, foi acusado do maior pecado no mundo das fake news (que ainda habitam a Guerra Fria): é um comunista.

De certa maneira, o que ocorre agora emula a “Marcha de Los 4 Suyos”, protestos que ocorreram em 2000 contra a terceira reeleição de Alberto Fujimori e resultaram na ascensão política de Alejandro Toledo. Fujimori ganhou o pleito, mas somente após alterar a Constituição, após acordo com o Parlamento. Mais uma vez, a política caminhou pelos bastidores, longe da população, que saiu às ruas.

A pressão popular deve continuar. Há protestos marcados para hoje, dia 25, em 16 regiões do país. Boluarte conta com apoio político e acenos dos EUA e China – ambos países reconhecem seu governo. A repressão policial não poderá ser utilizada. A economia clama por estabilidade, seja no turismo, seja na exportação de commodities. Esse é o entrave do país, fortalecer sua democracia e a participação popular, mas sem modificar seu modelo econômico liberal. Nunca vi funcionar.

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