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Crise humanitária, Lancellotti e Jalloul (por Mirian Guaraciaba)

A solidariedade aos miseráveis une dois missionários em SP, um católico e um islamita

atualizado

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Foto: Reprodução/Instagram
Imagine a dor adivinhe a cor padre julio lancellotti
1 de 1 Imagine a dor adivinhe a cor padre julio lancellotti - Foto: Foto: Reprodução/Instagram

Todos os dias, no Twitter, acompanhamos os passos de dois líderes, dois apóstolos, que saem pelas ruas de São Paulo distribuindo alimentos, assistência médica, colchões, agasalhos, a milhares de moradores de rua. Sabe-se lá quantos. O único censo nacional com população de rua foi feito em 2007/2008.

Naquela época, Governo Lula, eram aproximadamente 32 mil pessoas com mais de 18 anos morando em vias públicas, albergues, praças, sob marquises e viadutos, em 71 cidades brasileiras. De lá para cá, mais desemprego e fome. E veio a pandemia. Hoje, não se tem ideia de quantos brasileiros se deitam em papelões, nas calçadas, e se alimentam de restos de comida.

A cada vinte, trinta passos, no metro quadrado mais caro do Brasil, Leblon, Rio de Janeiro, há pedintes. Nunca antes na história do Brasil .. tantos mendigos, tantos famintos.  Sozinhos, famílias inteiras, crianças pequenininhas aprendendo a pedir .. Em São Paulo, cenário idêntico. Padre Júlio Lancellotti fotografa as imensas filas de miseráveis: crise humanitária em SP. Legenda dispensável.

“Vigário para o Povo da Rua da Arquidiocese de S.Paulo e defensor de Direitos Humanos”, como se apresenta no Twitter, padre Júlio, 73 anos, há muito ganhou a parceria do líder religioso do islã, H.C. Sheik Rodrigo Jalloul, “feirante, defensor dos direitos humanos e liberdade religiosa, protetor dos animais”, assim se define o Sheik nas redes sociais.

Lancellotti já é documentário – “Padre Júlio Lancellotti, Fé e rebeldia”, de Carlos Pronzato – alguns livros, mais de 600 mil seguidores nas redes sociais. Ficou conhecido por sua dedicação a moradores de rua. Pároco da Igreja São Miguel Archanjo, bairro da Moóca, não deixa escapar nas homilias críticas ferozes ao antigoverno Bolsonaro e a insensibilidade de João Doria.

Num perfil assinado por Angélica Santa Cruz, junho de 2021, na revista Piauí, pode-se definir Lancellotti como o padre mais político do Brasil. Vacinou-se contra a Covid com uma dose que sobrara do mutirão para imunizar idosos desabrigados. E assinou a Carta Aberta à Humanidade, manifesto de artistas e intelectuais que pede ao Tribunal Penal Internacional condenação de Bolsonaro por práticas genocidas.

Já há uma campanha nas redes lançando Padre Júlio Lancellotti para o Nobel da Paz. Faz todo sentido. Encara sujeira, doenças, feridas, abraça e afaga os esquecidos. O reconhecimento veio numa tarde de outubro de 2015. No celular, Papa Francisco, impressionado com o trabalho de Lancellotti, exaltou: “é essa a igreja que eu quero”.

Lancellotti e Jalloul reacendem a esperança no Brasil. Primeiro brasileiro a se tornar líder islâmico, Jalloul criou um “polo de resistência” em São Paulo, envolvendo centrais sindicais, partidos de esquerda, e movimentos sociais.

O turbante branco identifica o líder xiita. Mas o que o move não é a só a fé. Assim como Padre Júlio, “não se estou ajuda para converter ninguém. É tudo bem questão de humanidade”.

É esse o governo que queremos.

PS: Aporofobia – repúdio, aversão ou desprezo pelos pobres ou desfavorecidos; hostilidade para com pessoas em situação de pobreza ou miséria. [Do grego á-poros, ‘pobre, desamparado, sem recursos’ + -fobia.] …

 

Mirian Guaraciaba é jornalista 

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