metropoles.com

Brasil se tornou uma República da Rachadinha

Difícil haver uma Casa Legislativa em que funcionários-fantasmas não sejam usados para o desvio desavergonhado de verbas

atualizado

Compartilhar notícia

Marcos Santos/USP Imagens
Cédulas de dinheiro. Foto: Marcos Santos/USP Imagens
1 de 1 Cédulas de dinheiro. Foto: Marcos Santos/USP Imagens - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Editorial de O Globo (2/11/2021)

Consagrou-se o uso de aumentativos para batizar grandes escândalos brasileiros de corrupção: mensalão, petrolão etc. No país sob Bolsonaro, porém, a modalidade de corrupção que tomou as manchetes é identificada no diminutivo: rachadinha. Apesar de o nome sugerir uma roubalheira miúda, trata-se de prática de impacto nada desprezível, disseminada por vários níveis do Legislativo, como demonstram não apenas os casos associados ao clã Bolsonaro, mas também a denúncia recente contra o gabinete do senador Davi Alcolumbre.

De acordo com reportagem na revista Veja, seis assessoras de Alcolumbre entregavam cartão e senha bancários a um alto funcionário do gabinete do senador, que lhes devolvia pequena parte do salário. Uma delas afirmou receber R$ 1.350 dos R$ 14 mil pagos no contracheque. Outra disse embolsar R$ 800 de R$ 5 mil. Ao todo, a reportagem estima em R$ 2 milhões o desvio de verbas no esquema, que diz ter funcionado desde 2016 até março. Alcolumbre nega conhecimento da maracutaia, que atribuiu ao chefe de gabinete.

A denúncia é em tudo similar às acusações que pesam contra o senador Flávio Bolsonaro, quando deputado na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) — o famigerado Caso Queiroz —, ou contra o vereador Carlos Bolsonaro na Câmara Municipal carioca. Não são os únicos. Trata-se de hábito arraigado. Funciona no país uma espécie de República da Rachadinha.

Há no Brasil mais de 58 mil parlamentares, entre senadores, deputados federais, estaduais e vereadores. Um senador como Alcolumbre tem direito a R$ 300 mil mensais para contratar os assessores que bem entender. Deputados federais fazem jus a R$ 112 mil de “verba de gabinete”. Os estaduais e vereadores também costumam ter acesso a recursos generosos, embora nem sempre a verba fixa. Na Alerj, há 2.368 assessores para 70 deputados. Cada gabinete pagou em média R$ 189.400 em salários em agosto. Cada um dos 51 vereadores cariocas tem a seu alcance a nomeação de 20 funcionários.

Em maior ou menor grau, a situação se repete em todo o país. Difícil haver uma Casa Legislativa em que funcionários-fantasmas não sejam usados para o desvio desavergonhado de verbas. Basta fazer uma conta banal de multiplicação para perceber que, apesar do nome no diminutivo, a rachadinha tem poder de corrosão superlativo, equivalente a escândalos bilionários.

É inaceitável que isso continue assim. Não basta apenas punir este ou aquele caso que venham à tona nas denúncias da imprensa, por mais que isso também seja necessário. É preciso, antes de tudo, reduzir ao mínimo as nomeações à disposição dos parlamentares e estabelecer critérios rígidos para contratação de assessores, com base em mérito, conhecimento técnico e formação acadêmica. Só será possível acabar com as rachadinhas fechando os caminhos usados para a contratação dos funcionários-fantasmas.

A descoberta de grupos organizados que desviam bilhões do Estado costuma revoltar a opinião pública. Pois a corrupção miúda também deveria causar a mesma indignação. Não apenas pela desonestidade intrínseca daqueles que a praticam, mas também porque os pequenos desvios se somam para totalizar milhões ou bilhões. Como numa floresta de árvores frondosas, é idêntico o impacto de machados e motosserras ou dos pequenos cupins que carcomem a madeira por dentro.

Compartilhar notícia

Quais assuntos você deseja receber?

sino

Parece que seu browser não está permitindo notificações. Siga os passos a baixo para habilitá-las:

1.

sino

Mais opções no Google Chrome

2.

sino

Configurações

3.

Configurações do site

4.

sino

Notificações

5.

sino

Os sites podem pedir para enviar notificações

metropoles.comBlog do Noblat

Você quer ficar por dentro da coluna Blog do Noblat e receber notificações em tempo real?