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Atirou no que viu (por Joaquim Falcão)

O presidente do Senado não deve promulgar, nem o presidente da Câmara votar a derrama de dinheiro público. Desiguala os eleitores

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Foto colorida mostra Rodrigo Pacheco, presidente do Senado. Ele está falando - Metrópoles
1 de 1 Foto colorida mostra Rodrigo Pacheco, presidente do Senado. Ele está falando - Metrópoles - Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, acertou no que não viu.

Afirmou que não convocaria a CPI sobre os desvios do MEC, pois as investigações poderiam “se contaminar” pelo processo eleitoral. Contaminar é relação de mão dupla. Um contamina o outro, e outro contamina um. Dada a proximidade eleitoral, a CPI poderia influenciar o voto.

A tese do presidente está certa. O Congresso pode, através de seus atos, contaminar eleições. Vale tanto para a CPI sobre corrupção no MEC, como para a PEC Kamikaze: cria auxílios emergenciais, benefícios para caminhoneiros e taxistas e um inexistente estado de emergência. Out of the blue, dir-se-ia em inglês.

O que é contaminar?

No dicionário, contaminar é fazer doente. Não ser saudável. Mas pode, pois, o Congresso contaminar as eleições intencional e legalmente?

Não feriria a saúde da democracia, princípio continente, como afirma Ayres Britto, da Constituição? Contaminar cláusula pétrea? No respeito ao voto direto, secreto, universal e periódico?

O dever do Congresso é o oposto. Jamais votar ou colocar em votação algo tendente a restringir o estado democrático de direito.

Esta PEC Kamikaze é um vírus.

Contamina a democracia. Cria um estado de emergência extraconstitucional. O Congresso não é constituinte. Criar estado de emergência não está na sua competência.

O Congresso vai ficar subordinado à emergência que o presidente quiser.

A PEC fere ainda o conceito de periodicidade eleitoral, como bem aponta Carlos Velloso.

O presidente do Senado não deve promulgar, nem o presidente da Câmara Arthur Lyra votar a derrama de dinheiro público. Desiguala os eleitores. Sobretudo caminhoneiros e taxistas.

A ponto de serem admoestados pelo próprio presidente da Associação Brasileira de Condutores de Veículos Automotores, Wallace Landim, que veio a público denunciar este auxílio da PEC como “esmola” e “compra de voto” do presidente Bolsonaro.

Repita-se: compra de voto.

A Constituição diz, no art. 14, que o voto tem que ter valor igual para todos. A igualdade é também direito individual protegido pelo art. 5º da Constituição.

Juristas formalistas diriam que todas as decisões do Congresso, de uma forma ou de outra, influenciam o eleitor. Lógico que sim.

O que diferencia, neste caso, é a inconstitucionalidade da finalidade que lhe dá vida e sentido. Compra de votos. Às vésperas. Reduz a concorrência eleitoral, como diz Marcos Lisboa.

Ao se expressar com sinceridade mineira, o presidente do Senado oferece ao Supremo a tese que faltava para constatar a inconstitucionalidade desta PEC.

A tese é simples. Existem atos congressuais, com aparência de legalidade, que influenciam o voto. Existem outros, legais na forma e ilegítimos no conteúdo, que também influenciam. É o caso.

Tiro nas costas do estado democrático de direito.

E o Supremo?

Diante de evidências, testemunhos e teses tão importantes, o mínimo que se pode fazer sem confrontar o Congresso é ter seu próprio tempo de decisão. Não aceitar pressão temporal por parte de outro Poder.

Prudente seria simplesmente isolar o vírus desta PEC da potencial influência nas eleições. Diante da ação de inconstitucionalidade que vai lhe bater às portas, adiar sua eficácia até decisão final pelo plenário. Para que não se contamine também.

O objetivo dos candidatos beneficiários desta PEC é o dinheiro, o voto e a pressa. Do Supremo, é a cautela.

 

Joaquim Falcão é membro da Academia Brasileira de Letras, professor de Direito Constitucional e conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI)

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