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A primavera do Brasil ? (por Antônio Carlos de Medeiros)

Vimos que as manifestações de 2013, acesas por fagulhas, resultaram em 2018. Resultaram no bolsonarismo. Que veio para ficar

atualizado

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Hugo Barreto/ Metrópoles
Manifestação na Esplanada em apoio a Bolsonaro
1 de 1 Manifestação na Esplanada em apoio a Bolsonaro - Foto: Hugo Barreto/ Metrópoles

A primavera chegou. Em Praga, em 1968, a histórica Primavera de Praga foi um movimento de liberalização política na então Tchecoslováquia, liderado por Alexander Dubecek contra o regime autoritário da União Soviética. Foi real e simbólico, com efeitos sociológicos estruturais de “longue durée”, no longo processo de abertura do regime soviético até a queda do Muro de Berlim, em 1989.

E daí? Daí que vemos, agora, sinais da chegada da Primavera do Brasil. A História, é claro, não se repete. Mas ela ensina e cria referências. Aqui, a Primavera do Brasil significa a marcha da formação de uma Frente Ampla para a defesa da democracia no país. O valor maior que acendeu a fagulha da união dos contrários. São as fagulhas, agora já sabemos por experiência, que despertam e acendem, repentinamente, as manifestações de massas da cidadania. Propagadas no ciberespaço e nas ruas.

Vimos que as manifestações de 2013, acesas por fagulhas, resultaram em 2018. Resultaram no bolsonarismo. Que veio para ficar. Encaixado em novo espírito de época (zeitgeist). Tirou a extrema direita do armário e deu à direita uma narrativa que construiu uma cidadela política e eleitoral para Jair Bolsonaro, seu líder.

O Brasil tem forte presença e opção pelo conservadorismo. Neste sentido, é positivo, para a democracia, que a direita tenha saído do armário. Ao longo do processo político, o que ela precisa, talvez, é adquirir mais moderação e respeito ao contraditório. Mais da tradição politicamente conservadora de Edmund Burke, um dos organizadores do pensamento conservador no Século XVIII. E menos de Steve Bannon, o ex-estrategista de Donald Trump.

Pois bem. Há um novo movimento lento e silencioso de placas tectônicas na sociedade brasileira. 2022 tende a resultar na progressão de novo espírito de época (zeitgeist) no país, a partir de 2023. E depois. É mais do que uma onda eleitoral. Tem efeitos políticos de uma passagem histórica de época.

A portadora da entrada em nova época é a candidatura da Frente Ampla em formação, liderada por Lula. Ela (a candidatura) é maior que o lulopetismo. O rito de passagem pode começar neste próximo domingo, 02 de outubro. Ou pode ocorrer só em eventual segundo turno das eleições presidenciais, no dia 30 de outubro. Salvo excepcionalidades e eventos extremos, os ritos de passagem estão contidos no movimento das placas tectônicas.

O símbolo é o despertar dos contrários, da centro-direita à centro-esquerda do espectro político. Mais do que isto, é o despertar da sociedade civil. O fato político pertinente e pivotal é a conquista da iniciativa de Agenda da candidatura de Lula. Jair Bolsonaro perdeu, lenta e gradualmente, a iniciativa de Agenda. O poder de Agenda mudou de mãos. E a mobilização cresceu e ganhou tração.

A perda de poder de Agenda e o crescimento e estabilidade da sua taxa de rejeição, acima de 50% do eleitorado, tornam muito improvável a recuperação política e eleitoral de Bolsonaro. A sua cidadela eleitoral permanece intocável, estável na faixa de 31% das intenções de votos, mas a sua capacidade política de galvanizar o país, como em 2018, tornou-se muito limitada.

Aqui e acolá, todos já gastamos muita tinta e muitos cliques para enfatizar a importância histórica desta eleição presidencial. Ela é épica, historicamente falando. Ao expressar movimentos de placas tectônicas na sociedade, ela poderá resultar, outra vez, em efeitos sociológicos estruturais de “longue durée”no Brasil. Efeitos de busca da restauração do Estado Nacional, a partir da renegociação do Contrato Social. Este é o busílis de uma “longue durée”…

*Pós-doutor em Ciência Política pela The London School of Economics and Political Science.

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