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Filho em velório de Necivânia: “Dói saber que ela não vai voltar”

Amigos e parentes da 29ª vítima de feminicídio no DF neste ano se despediram da manicure no Cemitério do Gama

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Vinicius Santa Rosa/ Metrópoles
Gabriel, filho da vítima, não contém as lágrimas ao se lembrar da mãe
1 de 1 Gabriel, filho da vítima, não contém as lágrimas ao se lembrar da mãe - Foto: Vinicius Santa Rosa/ Metrópoles

O clima de revolta tomou conta da despedida da 29ª mulher vítima de feminicídio no Distrito Federal neste ano. Necivânia Eugênio de Caldas, 37, foi morta a facadas pelo ex-companheiro, na última quinta-feira (14/11/2019). O velório e o sepultamento da manicure aconteceram na manhã deste sábado (16/11/2019), no Cemitério do Gama.

Necivânia foi morta pelo ex-companheiro no meio da rua, na QR 217 de Santa Maria. Durante o enterro, o filho do meio da mulher, Gabriel Alves, 17 anos, se emocionou e lamentou a perda precoce da mãe. “O momento é de muita dor. Dói muito saber que ela foi embora e nunca mais vai voltar. Não tinha necessidade de ele fazer o que fez, isso não se faz”, disse o rapaz.

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De acordo com o jovem, o último contato que ele teve com a mãe ocorreu 20 minutos antes de a manicure ser assassinada. “Ela me ligou, pediu para que eu fosse pegar o celular dela na casa dele, pois ele não queria devolver. Ele nunca havia se mostrado agressivo, mas ela me disse que ia na delegacia denunciá-lo, pouco antes de morrer”, detalhou Gabriel.

Ao falar sobre a mãe, Gabriel chora. “Ela era batalhadora e alegre. Era alguém que queria ver todo mundo sorrindo sempre. O que eu peço, agora, é justiça, porque ela nunca mais vai voltar”, diz o menino ao Metrópoles, sem conter as lágrimas.

Todos estavam bastante entristecidos durante a cerimônia fúnebre, que demorou pouco mais de uma hora. As lágrimas de Matheus Caldas, filho mais novo da vítima, emocionaram até mesmo quem não tinha muito contato com Necivânia, mas estava presente no cemitério por solidariedade ao momento de dor da família. Aos 8 anos, o pequeno estava inconsolável com a perda da mãe.

O corpo da manicure foi enterrado na mesma sepultura da mãe dela, morta em 2016. Reunidos, amigos e familiares rezaram um pai-nosso pela alma de Necivânia. O caixão desceu ao som da música gospel Mais Perto Quero Estar. “Minha mãe foi embora”, despediu-se Gabriel, enquanto o caixão da mãe descia.

Denúncia

Pai de Necivânia, Manuel Eugênio viu a manicure ser assassinada pelo ex-genro, em Santa Maria. Ele estava tomando café na esquina quando tudo ocorreu, na tarde de quinta-feira (14/11/2019). “Não era homem para a minha filha. Ela havia ido horas antes na delegacia, denunciá-lo. A polícia iria atrás dele, mas, antes disso, [o assassino] conseguiu matar a minha Vânia [como a vítima era conhecida]. Eu ainda disse a ela que temia que isso fosse acontecer. A Vânia dizia que não, que não existia essa possibilidade”, lamentou.

O pai ainda relatou que a filha era reservada e não comentava muito sobre o relacionamento. “Ela era mais na dela. Não sabemos o que acontecia entre os dois. Mas já havíamos pedido para ela largar ele. Voltar para casa. Nunca apoiei o casamento.”

Menos de 24 horas após ver Vânia ser morta a facadas, o irmão mais novo da vítima, o vendedor ambulante Adaílton Eugênio de Caldas, 33, que também foi esfaqueado pelo agressor, conversou com o Metrópoles. “Ele tirou a vida da minha irmã. Nada explica isso. Não há perdão para um desgraçado desse”, disse, na manhã dessa sexta-feira (15/11/2019).

Adaílton contou os momentos de terror que viveu. Ele diz que ouviu o sobrinho de 8 anos, que estava na garupa da moto da mãe, gritar por socorro. Quando correu para ver o que estava acontecendo, deparou-se com Francisco segurando um facão. “Nesse momento, a minha irmã já estava no chão. Fui em direção a ele e, ao tentar desviar, desequilibrei e caí”, contou.

Adaílton foi levado ao Hospital Regional de Santa Maria pelo Corpo de Bombeiros e teve alta na manhã dessa sexta-feira (15/11/2019). “Eu escapei. Graças a Deus. Agora fica a revolta pela minha irmã, pelos meus sobrinhos. Eles estão inconsoláveis. A mais nova, filha desse relacionamento, já está sabendo que a mãe não vai mais voltar”, destacou.

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Vizinhos registraram o momento em que populares tentaram linchar o ex-companheiro de Necivânia. As imagens são fortes e mostram um grupo revoltado pisoteando e chutando a cabeça do homem. Na gravação (veja abaixo), também é possível observar Necivânia caída no chão, ainda de capacete. Ela conduzia a sua moto, uma Honda Bis, com o filho de 8 anos, no momento em que foi abordada por Francisco. Ele a derrubou do veículo e a esfaqueou no peito, embaixo do braço esquerdo e na costela.

Veja o vídeo abaixo:

O homem, que foi preso em flagrante, estaria esperando a vítima na quadra, ainda conforme o relato de testemunhas. Necivânia tinha ido cortar o cabelo do menino e voltava para casa, quando foi atacada.

Covardia

A cada 10 dias, uma mulher é vítima de feminicídio no Distrito Federal. A maioria dos algozes têm histórico criminoso, são presos e, quando são soltos, matam as vítimas. De 1º de janeiro a 7 de novembro, foram registrados 28 casos, número equivalente a todo o ano passado. Entre eles, 67,8% dos autores já tinham passagens por delegacias, segundo dados inéditos da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) obtidos pelo Metrópoles. Sete já haviam sido detidos pela Lei Maria da Penha e 12, por outros delitos.

Ainda de acordo com o último levantamento feito pela PCDF, dos 28 assassinatos, os responsáveis foram indiciados em 23 ocorrências. Duas investigações seguem sem conclusão, e três homens tiraram a própria vida após o crime. O índice de 93% dos inquéritos finalizados se deve, em boa parte, ao protocolo especial aberto pela polícia.

Neste 2019, o Metrópoles iniciou um projeto editorial para dar visibilidade às tragédias provocadas pela violência de gênero. As histórias de todas as vítimas de feminicídio do Distrito Federal serão contadas em perfis escritos por profissionais do sexo feminino (jornalistas, fotógrafas, artistas gráficas e cinegrafistas), com o propósito de aproximar as pessoas da trajetória de vida dessas mulheres.

O Elas por Elas propõe manter em pauta, durante todo o ano, o tema da violência contra a mulher para alertar a população e as autoridades sobre as graves consequências da cultura do machismo que persiste no país.

Desde 1° de janeiro, um contador está em destaque na capa do portal para monitorar e ressaltar os casos de Maria da Penha registrados no DF. Mas nossa maior energia será despendida para humanizar as estatísticas frias, que dão uma dimensão da gravidade do problema, porém não alcançam o poder da empatia, o único capaz de interromper a indiferença diante dos pedidos de socorro de tantas brasileiras.

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