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DF terá exposição de arte inédita em feira de maconha uruguaia

No ano passado, brasileiros representaram 45% do público da feira, considerada uma das mais importantes do gênero

atualizado

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Verdade seja dita: pouquíssimas vezes se falou tanto em maconha no Brasil como na última semana. Da mais recente música de Ludmilla, “Verdinha”, à decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que inicia o processo regulatório do uso da planta para fins medicinais, o assunto pautou discussões em diferentes níveis. A previsão, é claro, é de que ele continue em voga.

Desde a última sexta-feira (06/12/2019), o Uruguai recebe a 6ª  Expocannabis. Apesar de ter nascido no país vizinho, o evento tem quase metade de seu público composto por brasileiros.

Na última edição, em dezembro de 2018, o país representou 45% do total de visitantes da feira. Não à toa, ela ficou conhecida como Exposição Uruguaia-Brasileira de Cannabis. Um indicativo curioso, visto que a regulação nos dois países carrega pouquíssimas semelhanças.

Máquina do tempo

De todo modo, a presença expressiva de brasileiros no evento confirma a curiosidade em relação ao experimento de Mujica e demonstra que há muitos entusiastas da planta no país – entre eles, pesquisadores, empresários e ativistas do DF.

Em entrevista ao Metrópoles,  a idealizadora da feira, Mercedes Ponce De León, afirma que o interesse do Brasil é percebido desde a primeira edição, em 2014. Tal fato motivou a organização a fazer uma série de intercâmbios com o país.

“O evento sempre atraiu a atenção do público brasileiro. Resolvemos estar mais presentes por aí, investir em divulgação”, conta, mencionando a vinda a São Paulo, em outubro deste ano, para apresentar a exposição aos brasileiros.

“Ficamos contentes de compartilhar nosso exemplo. Sabemos que, para muitos, visitar a Expocannabis é como entrar em uma máquina do tempo e viver o que será o futuro em seus países depois que o mercado for, enfim, regulamentado.”

Uma experiência que a uruguaia acredita poder ser compartilhada com o Brasil em breve, embora o debate no país ainda seja tímido diante da experiência dos “hermanos”.

“Existem claras diferenças culturais entre os países. A tendência, porém, é a regulamentação. Poder viver isso é bastante agregador para muitas pessoas que esperam e lutam para esse momento chegar”, defende Mercedes.

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Exposição brasiliense na feira

Por iniciativa da rede Mulheres Cannábicas, de Brasília, a Expocannabis contará, este ano, com uma série de trabalhos de artistas brasileiras expostos em seus corredores.

Segundo Ana Cavalcanti, uma das ativistas à frente do coletivo, o intercâmbio está em consonância com o principal objetivo do grupo: a reflexão sobre a forma como a sociedade se relaciona com a planta milenar, em âmbito pessoal e coletivo.

“Nos envolvemos com a participação da Expocannabis há uns três anos. Em 2019, decidimos levar uma exposição. Acreditamos na arte como  ferramenta capaz de transmitir parte da relação que temos com a maconha, os conflitos associados a ela, tão bem quanto um trabalho científico faria. Além de ser um registro desse momento em que a compreensão sobre a planta passa por um processo de transição”, pontua.

A relação com a exposição uruguaia está ligada ao próprio surgimento do grupo. “Em 2016, viajava por algumas mostras pela América Latina e conheci as meninas que estavam formando a Rede Latinoamericana de Mulheres Cannábicas“, recorda.

“Quando voltei ao Brasil, elas sinalizaram a necessidade de movimentá-la por aqui também. Participamos de eventos, discussões, geramos conteúdo e temos um evento mensal chamado Chá das Minas, no qual refletimos sobre o contexto atual”, continua.

Para reunir o acervo de mais de 100 obras, o grupo convocou artistas a expressarem a sua ligação com a “ganja” por meio de escritos, pinturas, fotografias e outras formas de expressão. O resultado também pode ser conferido na página da rede no Instagram.

 

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Expocannabis

Diferente do que sugere o senso comum e a expectativa de alguns turistas, não há comércio de maconha na Expocannabis. Até porque, tecnicamente, a legalização do uso não se estende aos turistas.

Para além das palestras e conferências, do Consultório de Orientação em Cannabis Medicinal, do Festival Internacional de Cinema Cannábico e das oficinas, a feira conecta empresas e projetos, revela tendências, lança novidades e apresenta o lifestyle uruguaio na área de chill out, onde shows, comes e bebes completam a experiência.

A visagista brasiliense Kamila Jocoub participou da última edição da feira representando a rede Mulheres Cannábicas. Uma das coisas que mais chamou atenção foi o comportamento dos uruguaios em relação ao interesse brasileiro.

“Eles não gostam da sensação de que as pessoas estão indo lá para fumar maconha, não é esse o objetivo. Para mim, foi uma oportunidade de conhecer outros brasileiros que estudam o tema, entender como funciona o sistema de farmácias, participar de oficinas sobre o sistema, o cultivo, a extração. E eu pirei, sou apaixonada pelo assunto”, relata a ativista.

A empresária Camila Lousada, da tabacaria brasiliense 4evinte, também participou da edição de 2018 e classifica a exposição como “uma feira de ciências de ‘doidão'”, como definiu.

“No bom sentido, obviamente. É uma galera que estuda muito, se dedica e leva o estudo a sério. Os stands são voltados mais para o cultivo, muito pelo modelo adotado no Uruguai. Mas, apesar de não ter tantas novidades na área de tabacaria, foi uma ótima vivência“, salienta.

Expectativas de brasileiros X Experiência uruguaia

Ideologias à parte, como fica a expectativa de pessoas que se dedicam a estudar e a defender a legalização da planta, após os últimos acontecimentos de âmbito nacional? Segundo as fontes entrevistadas pelo Metrópoles, ainda é necessário refletir sobre o alcance e o impacto da decisão da Anvisa.

Além dela, a 9ª Vara Federal Cível do Distrito Federal autorizou, nessa terça-feira (03/12/2019), em regime de urgência, a importação e o cultivo de sementes de cânhamo industrial – variedade da maconha.

O juiz justificou a decisão apontando uma “clara omissão do poder público, o que denota ofensa à ordem econômica e à proteção constitucional ao direito à saúde, impossibilitando avanço em tais setores.”

André de Oliveira, aluno do mestrado em Ciências da Saúde, na Universidade de Brasília, e integrante de um grupo de pesquisadores que acaba de conseguir status de observatório, acredita que ainda há muitos obstáculos para que um debate realmente efetivo ocorra.

“O brasileiro é interessado pela cannabis porque, querendo ou não, a planta faz parte da construção da nossa sociedade. Entretanto, ainda estamos em uma sociedade racista, classista e conservadora, que tem aversão ao debate. O aspecto moral fala muito forte. Porém, acredito que ainda vamos viver esse momento regulatório, como deve ser, considerando modelos adequados, com a participação de associações”, pondera.

A opinião é compartilhada por Ana Cavalcanti, do Mulheres Cannábicas. Ela revela que, para além do interesse em estudar a planta e comemorar pequenos avanços, grupos estão preocupados com o processo produtivo e o impacto dos últimos eventos.

“Não há uma regulação do processo inteiro. Então, quem vai plantar? Provavelmente, empresas muito grandes, o que exclui as associações, que têm realmente cuidado dos pacientes nos últimos anos. Esse descarte é bem perigoso. É preciso envolver as entidades que conhecem as causas, entendem os pormenores e as especificidades do tema”, analisa.

Ainda que reconheça as diferenças entre os países – vale lembrar que a população uruguaia é equivalente à população do Distrito Federal, de cerca de 3 milhões de habitantes – Mercedes Ponce de León é uma das mais otimistas em relação ao futuro do mercado cannábico no Brasil.

Para ela, cada país discute o uso da substância de sua maneira, mas a tendência é mundial. “A guerra às drogas demonstrou, mais de uma vez, ser um fracasso”, avalia.

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