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Vereadores do Entorno DF querem proibir pílula do dia seguinte

Proposta quer impedir que medicamentos cujo princípio ativo é o levonorgestrel sejam distribuídos na rede pública de saúde local

atualizado

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1 de 1 Imagem colorida: cartelas com pílula do dia seguinte - Metrópoles - Foto: areeya_ann/istock

A Câmara de Vereadores de Luziânia (GO), município localizado a 60 quilômetros de Brasília, analisa um projeto de lei para proibir a distribuição do contraceptivo de emergência, também conhecido como pílula do dia seguinte, nos postos de saúde e hospitais da cidade. A argumentação é que a pílula seria um “método abortivo”. O medicamento, entretanto, é ofertado pelo próprio Ministério da Saúde, sem a necessidade de apresentação de receita médica, justamente para ampliar o acesso às mulheres.

Segundo o vereador Murilo Roriz (PSD), um dos autores da proposta, o projeto nasceu a partir da solicitação de um padre – ele, entretanto, não quis revelar o nome do religioso. O vereador Dioscler (PMN), presidente da comissão de saúde, que também assina o PL, defende a ideia: “Há vários médicos que dizem que a pílula é abortiva. Queremos proibir medicamentos com o princípio ativo levonorgestrel (presente nos medicamentos de segunda fase da pílula do dia seguinte), que além de tudo faz muito mal para a saúde das mulheres”, afirma.

Na primeira versão do PL, entendia-se a “pílula do dia seguinte” como um “abortivo“, apesar de a ação do medicamento ocorrer horas depois do coito, ou seja, antes da fecundação. Depois de uma emenda, o texto ficou mais claro e definiu o princípio ativo levonorgestrel como o alvo da proibição. O ginecologista Rogério Bonassi, presidente da Comissão Nacional Especializada em Anticoncepção da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), esclarece que a pílula não é considerada um abortivo.

“O mecanismo de anticoncepção de emergência atua impedindo a fecundação. Além de atrasar a liberação do óvulo, o medicamento afeta a capacidade de transporte do espermatozoide, bem como sua qualidade. É uma somatória de ações”, explica o médico. Ele conta ainda que, se o óvulo já estiver fecundado, a pílula é inútil e não provoca aborto. “Aqui no Brasil não temos pílula abortiva. E, em 2005, o Ministério da Saúde lançou uma cartilha explicando o funcionamento do anticoncepcional de emergência. O uso é mais do que consagrado na saúde pública”, aponta.

Outro princípio ativo a ser proibido, caso o projeto seja aprovado, é o misoprostol, usado para prevenir e tratar úlceras estomacais, induzir o parto e também como abortivo. No Brasil, a venda e distribuição do produto é proibida e o uso abortivo é apenas hospitalar para os casos previstos em lei.

Porta-voz da diocese de Luziânia, o padre João Paulo dos Santos Silva, negou que pedido para uma lei anti-pílula do dia seguinte tenha partido da Igreja Católica. “Se o pedido aconteceu, não foi oficial em nome da Igreja ou da diocese, e sim feito de maneira pessoal”. De toda forma, ele explica que a Igreja entende que a pílula é abortiva e a doutrina prega que a vida tem valor, não importa se em fase embrionária ou gestacional. “Há muitos médicos e estudos científicos que consideram o medicamento abortivo: não se trata de uma oposição entre fé e ciência”, afirma o religioso.

O advogado Jorge Helio Chaves, presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais da OAB/DF afirma que o município de Luziânia não tem competência para legislar sobre o assunto. “Enquanto não decretarem independência do Brasil, esse tipo de lei é inconstitucional. Aborto é matar um feto ou um ser humano em formação. A legislação permite aborto em duas situações: quando o feto leva risco de vida à mãe ou em casos de estupro, porque a gravidez, nessa situação, é decorrente de uma atividade criminosa”, afirma o advogado.

O PL contra a pílula passará pelas comissões da casa, para depois, ser submetido ao plenário.

Priscila Brito, assessora técnica do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), diz que a aprovação de uma lei anti-pílula do dia seguinte seria um retrocesso em relação aos direitos reprodutivos femininos. “Não só para as vítimas de violência sexual, que ainda contam com a pílula do dia seguinte como a principal maneira para evitar uma gravidez recorrente de estupro, mas também para todas as outras mulheres que perderiam um método de planejamento reprodutivo. Os vereadores estão como uma perspectiva equivocada sobre a pílula e o efeito dela no corpo da mulher”, afirma.

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