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De racismo a tiro: entregadores de app vivem rotina de agressões em SP

Entregadores são alvo de ofensas e agressões praticadas por clientes de delivery; só no mês passado, Ifood recebeu 157 denúncias em SP

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Imagem mostra homem com caixa de entrega (bag) em São Paulo - Metrópoles
1 de 1 Imagem mostra homem com caixa de entrega (bag) em São Paulo - Metrópoles - Foto: William Cardoso/Metrópoles

São Paulo — O entregador Michel Brandão, de 34 anos, costuma trabalhar até 14 horas por dia, invadindo a madrugada, desde que trocou a enfermagem, sua profissão de origem, pelo serviço de delivery de moto, há cerca de um ano.

Não bastasse a rotina extenuante de trabalho, Brandão ainda enfrenta a violência de quem faz pedidos por aplicativo. Na noite da última quarta-feira (18/10), durante uma entrega em Itaquaquecetuba, na Grande São Paulo, ele foi baleado na perna por um cliente.

“Graças a Deus, estou vivo. Mas poderia estar internado em coma ou até comendo capim pela raiz [morto]”, diz Brandão, uma das várias vítimas de agressão praticadas contra entregadores. Só no mês passado, por exemplo, o Ifood recebeu 157 denúncias na capital paulista.

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Segundo o motoboy, o cliente demorou a aparecer e o Ifood encerrou a entrega, após cerca de 20 minutos. Logo em seguida, o homem que fez o pedido surgiu e começou o desentendimento. “Foi aquela confusão, ele tentou tirar a chave da minha moto, aquele empurra-empurra. Pegou a peça [arma] e sentou o aço [atirou]”, afirma.

O cliente deu três tiros e um deles acertou a perna do entregador. “Após ter me baleado, ele me mandou calar a boca e disse: ‘vem aqui para minha casa para a gente conversar’. Comecei a gritar que nem louco: ‘vou para a sua casa para você terminar de me matar?'”

O entregador conta que conseguiu pegar a moto e seguiu até um shopping, onde foi socorrido pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). “A bala entrou por um lado e o médico fez a extração pelo outro”, afirma. No dia seguinte, fez o boletim de ocorrência, registrado como lesão corporal.

Desde que começou a trabalhar como motoboy, foi a primeira vez que sofreu uma agressão. Ele conta que comunicou o Ifood sobre o ocorrido, mas diz não ter recebido apoio da plataforma até a manhã da sexta-feira (20/10). “Fiquei traumatizado”, diz Brandão.

Procurado pelo Metrópoles, o Ifood informou que existe um botão para fazer a denúncia no aplicativo dos entregadores e que Brandão usou outro caminho para relatar a agressão a tiros, o que faria a plataforma demorar mais tempo para identificar a ocorrência.

“A gente está tentando entrar em contato com o entregador para dar todo o aporte jurídico e psicológico”, diz Johnny Borges, diretor de Impacto Social do iFood. Na noite de sexta, a plataforma afirmou que o cliente tinha sido banido e o entregador recebia ajuda da central de apoio.

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Ofensas e discriminação

Além de agressões extremas como a sofrida por Brandão, onde existe ameaça à vida, entregadores relatam uma série de violências no dia a dia da profissão, que vão desde o menosprezo por funcionários de estabelecimentos e clientes, incluindo atos de racismo.

O entregador Wellington Almeida, 30 anos, negro, diz que a discriminação racial deixa marcas no dia a dia. “Fui fazer a entrega e um pedestre olhou para o outro e disse ‘guarda o seu celular, porque ele pode roubar’. Isso me marcou demais, porque estava só fazendo o meu trabalho. Passei por errado. Isso machuca”, diz.

Na última semana, em conversa com entregadores, a reportagem do Metrópoles ouviu que a relação com seguranças e porteiros nos condomínios, além do trato com funcionários de estabelecimentos comerciais são, muitas vezes, bastante tensas.

Tempo e estresse

O Ifood afirma que, só em setembro, apenas na capital paulista, foram reportados 157 casos de agressão apenas na capital paulista. A empresa diz que, a partir da comunicação, o agressor é excluído imediatamente da plataforma.

Segundo o diretor Impacto Social do iFood, Johnny Borges, questões relacionadas ao tempo e o próprio estresse social são os principais motivos que desembocam em uma relação muitas vezes conflituosa entre entregadores e clientes.

“Isso se tornou mais grave no pós-pandemia. A vida volta ao normal e essa relação começa a ser mais agressiva das duas partes”, diz.

Borges cita que as agressões, muitas vezes, acontecem com pessoas ao longo do trajeto do entregador, não necessariamente o cliente que aguarda a comida.

O representante do Ifood diz que há uma série de ações para melhorar a relação no setor como um todo, entre eles uma parceria com a Black Sisters in Law, rede de advogadas negras.

A plataforma diz ainda que tem seguro para os entregadores, que vai de R$ 15 mil para despesas com saúde até R$ 100 mil, em caso de invalidez ou morte. Também há um valor variável para lesões temporárias.

Já o Rappi não apresentou números relacionados a agressões contra entregadores, embora também tenha sido questionado a respeito.

O aplicativo disse que não tolera nenhum tipo de preconceito ou agressão, “sendo inaceitável qualquer comportamento desrespeitoso ou discriminação”, e que exclui agressores da plataforma.

Segundo o Rappi, no caso dessas ocorrências, entregadores são orientados a fazer reclamação ou denúncia no canal de suporte específico, além do registro de um boletim de ocorrência. O aplicativo diz ainda que colabora com a polícia fornecendo os dados necessários para eventuais investigações.

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