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Luis Jungmann Girafa entre o arrependimento e a intuição

Sem Plano Nem Piloto reúne assim pinturas, desenhos e fotografias do artista no Museu Nacional.

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Bernardo Scartezini/Especial para o Metrópoles
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1 de 1 foto de abre - Foto: Bernardo Scartezini/Especial para o Metrópoles

Além de ser pintor, desenhista e fotógrafo, Luis Jungmann Girafa – arquiteto de formação – também é um homem do cinema. Quando pediu a Wagner Barja, diretor do Museu Nacional Honestino Guimarães, um espaço na casa agora entre novembro e janeiro, ele estava pensando em exibir ali o longa-metragem Enigma, que rodou às próprias custas, dirigindo uma trupe de amigos, atores e artistas, entre os becos e as lojas abandonadas da W-3 Sul.

Porém, ano eleitoral, seus colaboradores mais próximos para a etapa de finalização do filme foram trabalhar em campanhas políticas. Girafa se viu então com uma data fechada no Museu Nacional, a palavra empenhada e a necessidade urgente de mudar de planos. E sem muito dinheiro para levantar uma exposição.

Sem Plano Nem Piloto reúne assim pinturas, desenhos e fotografias de Luis Jungmann Girafa no Museu Nacional. Trata-se de uma investigação em torno de Brasília, da ideia que levou à construção da nova capital e o que dela ainda resta. Trata-se também de uma especulação sobre o próprio ofício de artista nos dias atuais.

Esse viés surgiu em conversas no ateliê caseiro do Altiplano Leste com seu velho amigo Renato Cunha. Os dois já tinham trabalhado juntos na mostra Anônimos do Rossio, montada no Museu dos Correios, início de 2014, em torno de fotografias feitas por Girafa no centro de Lisboa.

Daquela vez, era mais simples a missão. O espaço destinado à exposição era menor, a série de imagens de Girafa pretendia mostrar estava definida de saída – e havia um orçamento para a montagem.

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Desta feita, Luis Jungmann Girafa e Renato Cunha tinham que se colocar à altura da monumentalidade de Oscar Niemeyer. As amplas paredes do Museu Nacional ameaçando engolir qualquer exposição mal pensada, improvisada, qualquer atrevimento barato.

A primeira ideia de Girafa para uma exposição de pinturas, ele conta, tinha a ver com o seu processo de ateliê. Já havia um tempo, queria reunir seus pentimentos – termo comum na arte, vindo do italiano, significando literalmente “arrependimento”. São pinturas elaboradas a partir de composições anteriores. Girafa retoma uma tela onde há um trabalho já feito, cria em cima dele, às vezes anos depois do primeiro momento, às vezes encontrando outro motivo, outra forma, outra cores, até dar-se por fim satisfeito.

“Meu trabalho não é amarrado. Não consigo fazer isso. Nunca consegui. Trabalho intuitivamente. Apenas vou fazendo, o sentido primeiro vai se perdendo e outro vai surgindo.”

Renato Cunha, assumindo o papel de curador, tratou de emprestar um tanto de sentido narrativo para o que era apenas intuição. Ele primeiro acolheu esse desejo do amigo, mas propôs ampliá-lo. Mostrar, sim, seus pentimentos. E a partir deles buscar algo além. Sugeriu trazer para o centro da mostra a ideia do artista e da cidade, a vivência de Luis Jungmann Girafa, mineiro de Juiz de Fora, nesta Brasília por quatro, cinco décadas de vida e de trabalho artístico.

“A ideia foi então aproximar meus trabalhos a Brasília, significá-los em relação à cidade. Em alguns, isso já estava óbvio nos temas. Mas algumas vezes isso foi feito no processo para a montagem da exposição, com a atribuição de textos e de títulos trazendo uma sutil ironia. Há um posicionamento político, nada partidário ou dogmático, que vem do espanto diante do que estamos vivendo, um espanto que boa parte das pessoas compartilha conosco.”

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O Setor de Pentimentos, assim, abre a exposição no Museu Nacional, na primeira – e maior – das três salas que couberam a Girafa. Trazendo aquelas pinturas que foram retrabalhadas por seu autor, e que apresentam seus interesses recorrentes, elementos que se desdobrarão dali em diante.

A segunda sala se tornou A Praça dos Sem Poderes, porque Girafa e Renato resolveram assumir o enorme banco redondo que encontraram montado para a exposição anterior. Aquele banco virou o centro da pracinha – e os limites para uma instalação com pinturas em papelão debaixo de folhas mortas.

A ideia de precariedade, de ruína, atravessa a Brasília de Girafa e Renato. Para reverberar essa impressão de desleixo, eles bancaram a decisão de não passar tinta branca nas paredes, como seria de hábito em museus e galerias a cada desmontagem e montagem de exposições. Apenas rasparam o que nelas havia sido escrito para a mostra anterior, permitindo que restassem vestígios desse apagamento, indícios materiais, sombras – como num pentimento.

Alguns motivos que se faziam anunciar nas telas do Setor de Pentimentos, reaparecem na Praça dos Sem Poderes. As letras que perdem sua função verbal se tornam elementos visuais. A figura humana, que flutuava à superfície da tela, se torna integrante de uma paisagem arquitetônica. E uma série de três vistas de Brasília parece antecipar que, dobrando a esquina, o visitante entrará na instalação Eixe-o ou Deixe-o.

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A terceira e última sala da exposição é um ambiente fechado e escurecido. Aqui Renato Cunha sugeriu manter as paredes laterais pintadas de preto, conforme eles as encontraram, e a parede branca ao fundo servindo como o norte para Eixe-o ou Deixe-o.

Pensando no urbanismo de uma superquadra, especificamente a 108 Sul, Renato sugeriu a Girafa que ele recortasse algumas de suas fotografias – cortadas e conformadas à proporção de um bloco residencial. As imagens foram plotadas na parede formando uma composição única.

Nas paredes laterais, como o Eixão desta Brasília em uma casca de noz, grafismos em giz de cera atravessando de fora a fora, num emaranhado de linhas – a repetir na escala arquitetônica um desenho que Girafa costuma fazer em nanquim sobre papel. No chão, um punhado de terra vermelha do cerrado, contida por uma moldura, recebe encravada uma marreta de metal – “como um falo”, ilustra Girafa.

A amarrar as três salas, na comprida parede curva que delimita a mostra, Renato e Girafa deixaram os trabalhos feitos sobre papel. Muitos deles nasceram como esboços, estudos para pinturas em telas grandes. Girafa diz não jogar nada fora. Então ele faz bem em não jogar. Porque muitos desses desenhos foram retomados, finalizados anos mais tarde, tornando-se composições independentes.

Existem aquelas pinturas que lá pelas tantas se tornam outras pinturas. Os chamados pentimentos. Estes desenhos, então, seriam os continuamentos, brinca Girafa. Como a demonstrar que todas as diferentes linguagens que ele assume – pintura e desenho, fotografia e cinema – são o prolongamento da mesma intuição.

Bernardo Scartezini/Especial para o Metrópoles
Fotografias da série Pinturas do Tempo

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