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As distâncias entre a capital planejada e a cidade real

Mostra coletiva Brasília Extemporânea retorna à ideia de Juscelino Kubitscheck para tentar dar conta do que resta daquela utopia política

atualizado

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Bernardo Scartezini/Especial para o Metrópoles
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1 de 1 foto-de-abre7 - Foto: Bernardo Scartezini/Especial para o Metrópoles

Reaberta em meados do ano passado como espaço cultural ligado à Universidade de Brasília (UnB), a Casa Niemeyer abriga uma exposição que, concebida sob os ares do recente processo eleitoral brasileiro, pode fazer pensar um tanto sobre a nova capital – e o país em que ela se encontra.

Em cartaz até 15 de fevereiro, a mostra coletiva Brasília Extemporânea retorna à ideia de Juscelino Kubitscheck para tentar dar conta do que resta daquela utopia política e estética de um Brasil moderno. Para tanto, a casa de piso térreo na Quadra 26 do Park Way, não distante do Núcleo Bandeirante, representa mais do que o simbolismo histórico de ter sido construída por um dos homens à frente dessa aventura. Representa, ainda, marcante espaço arquitetônico sobre o qual as obras dos artistas aqui reunidos devem agir, interferir, refletir.

Foram convidados 27 realizadores da capital e além. Entre eles, alguns professores da própria UnB (como Gê Orthof, Christus Nobrega) e artistas com larga trajetória na cidade (como Márcio H. Mota, Raquel Nava). Também forasteiros com olhar fresco sobre a cidade (como o mineiro Luiz Alphonsus, o paulista Ding Musa, a portuguesa Joana Pimenta).

“Brasília combina sua imagem arquitetônica marcante com a imagem desse lugar nebuloso para onde os políticos vão quando eleitos”, diz Ana Avelar, curadora da mostra. “Ainda hoje em dia persiste essa percepção de que Brasilia é longínqua, embora não seja mais tão longe assim de avião.”

Ana Avelar, ela própria, aprendeu a vencer essa distância há quatro anos, quando trocou São Paulo por Brasília para vir dar aulas na UnB. Morando na Asa Norte, começou a se confrontar com a cidade real e quis trazer esse confronto também para dentro da Casa Niemeyer “as bordas do Plano Piloto”, representadas na figura do cineasta Adirley Queirós, de Ceilândia, cujo longa-metragem Era uma Vez Brasília (2017) é projetado num dos quartos.

Seguem-se agora alguns pontos da visita…

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Logo na entrada da Casa Niemeyer, o visitante sobe uma breve escada para atingir o patamar de tábua corrida que compõe toda a sala principal, vão livre que se ofereceu para a ação do goiano Paul Setúbal e da paulista Dora Smék. Ambos trabalharam juntos ali, na semana anterior à abertura, num par de instalações que se complementam e servem como ponto de partida para as ideias a serem percorridas ao longo da visitação.

Ana Avelar conta que, àquela altura dos acontecimentos, ela já tinha clara a ideia de usar uma série de fotografias de Ding Musa para pontuar as paredes da sala. Essas fotos, tiradas ao longo de 10 anos, reúnem aspectos específicos da monumentalidade de Oscar Niemeyer na Esplanada dos Ministérios em meio ao cotidiano laboral e nada monumental dos baixos funcionários do poder público. De modo que, numa das imagens, um jardineiro cuida de flores. Noutra, um segurança se senta numa nesga de sombra da cúpula da Câmara dos Deputados.

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A sala de Niemeyer se oferece aos pés do visitante, lisa sobre suas tábuas corridas, mas Dora Smék e Paul Setúbal tratam de impedir o livre trânsito dos recém-chegados. Da entrada da casa já se enxerga o jardim, do lado oposto, mas para atravessar a distância até o alpendre, a pessoa tem que desviar dos pilares tombados por Dora e cuidar para não sujar os sapatos com a terra trazida por Paul.

Por entre a montanha de terra vermelha que Paul Setúbal descarregou no piso, vergalhões permitem lembrar uma curva em metal muito próxima a colunas tão emblemáticas de Niemeyer. Durante a realização da obra, o artista e Alex Calheiros, professor do Departamento de Filosofia da UnB e responsável pela Casa Niemeyer, conversaram sobre o trabalho e encontraram uma espécie de antecedente: a série de pinturas em óleo feitas pelo próprio arquiteto em 1964, após ter recebido a notícia do golpe militar, em que representou as ruínas do Alvorada e do Planalto.

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Enquanto Dora Smék e Paul Setúbal se encarregavam de arrumar a sala, Ana Avelar queria que toda a casa fosse ocupada – ou quase – da cozinha aos quartos. E logo pensou numa artista assaz apropriada para dar conta de um banheiro, e para ela tocou então o maior de todos eles, o da suíte principal.

Como Camila Soato trabalha com a nudez, a dela própria no mais das vezes, e o nu feminino se tornou tão tradicional na história da arte, Ana Avelar quis retornar Camila à intimidade de um banheiro. Camila sendo Camila, a nudez dela é um tantinho despudorada, escrachada. E aqui podemos espiar o resultado de recente residência da pintora na Casa da Cultura da América Latina.

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Os banheiros também se mostraram bem apropriados para projeções de vídeo. Ainda mais com a textura dos azulejos interferindo na imagem, ideia de Ana Avelar. Acontece aqui com o trabalho de Clarisse Tarran, em que a câmera filma, de cima para baixo, a pouco digna rotina dos usuários de transporte público que precisam se acotovelar para entrar e caber nos veículos. No mesmo eixo, a câmera de Clarisse sobre alguns graus e o observador brasiliense já se localiza: ela está filmando aquele puxadinho da Rodoviária do Plano Piloto e, logo ali adiante, a arquitetura da cidade se oferece, silenciosa e solene, vertical e impassível, sobre os azulejos do banheirinho.

Outro vídeo especialmente bem encaixado na arquitetura de Oscar Niemeyer, Orla, traz Karina Dias num gesto característico de seu trabalho. Com a câmera parada a filmar um braço do Lago Paranoá, a artista entra em cena e cruza a imagem de ponta a ponta, no ritmo do seu caminhar. Ao contrário do que acontece nos demais quartos da casa que recebem vídeos, neste aqui a porta-janela que dá para o jardim permanece aberta. Uma paisagem a completar a outra paisagem.

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O lago de Karina Dias se complementa, do lado de fora da casa, na piscina de Oscar Niemeyer. Ou melhor, se complementa na piscina de Luciana Paiva. Porque, durante estes meses de exposição, a artista tomou conta daquele pedaço.

Lá no fundo, Luciana deitou letras de metal, aquela embrulhada consonantal típica dos endereços brasilienses. Depois encheu de água – fazendo da própria borda da piscina as molduras de sua composição, assumindo o volume, a profundidade, o peso, a cor e as eventuais marolinhas.

A linha reta, tão brasiliense, às vezes se torna imprecisa, se torna impossível.

Bernardo Scartezini/Especial para o Metrópoles
Instalação de João Trevisan no jardim da Casa Niemeyer

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