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Christus Nóbrega viaja em busca do deserto australiano

Trabalho do artista plástico paraibano radicado em Brasília chamou a atenção de curadores na Austrália

atualizado

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Bernardo Scartezini/Especial para o Metrópoles
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1 de 1 foto-de-abre2 christus nóbrega - Foto: Bernardo Scartezini/Especial para o Metrópoles

Christus Nóbrega, neste exato momento, encontra-se do outro lado do planeta. Ele embarcou para a Austrália na última quinta-feira (15/11). No mesmo voo, despachou os vídeos, as pedras de granito e as peças em renda que compõem sua mostra Labirinto.

Labirinto, vale lembrar, foi uma espécie de viagem iniciática que Christus cumpriu ao interior da Paraíba, encontrando a secular técnica das rendeiras de Cabaceiras, Planalto da Borborema. E dali segue agora para a Austrália, num pulo de tecnologias e geografias, porque foi justamente essa busca de um artista brasileiro pela ancestralidade de sua terra natal que chamou a atenção dos curadores do Canberra Contemporary Art Space (CCAS).

Aberta na Referência Galeria de Arte, em julho de 2017, a exposição Labirinto depois cumpriu temporadas no Palácio das Artes, em Belo Horizonte, e no Instituto Leo Romano, em Goiânia. Foi durante a etapa mineira que a mostra entrou no radar dos australianos.

O convite a Christus partiu de David Broker, diretor do CCAS. A exibição será montada por lá e, enquanto ela estiver em cartaz, o artista poderá circular pelo país, dentro de um projeto de intercâmbio internacional que o governo australiano vem promovendo.

Algo parecido com a experiência que Christus teve na China, no final de 2015, quando foi convidado pela Central Academy of Fine Arts, de Pequim. Viagem que lhe valeria a exposição Dragão Floresta Abundante, aberta um par de anos mais tarde. Daquela feita, assim como agora, o artista viajante conta com o apoio do governo brasileiro, via Itamaraty, e da Universidade de Brasília, instituição na qual trabalha como professor do Instituto de Artes.

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De 15 de novembro a 15 de fevereiro de 2019, são redondos três meses n’Oceania. As primeiras duas semanas já estão cheias. Serão dedicadas à montagem da exposição e aos compromissos institucionais. Para o que virá depois disso, os planos de Christus ocupam a mesa de trabalho e uma parede inteira de seu ateliê na 206 Norte.

“A grande questão nessas estadias mais prolongadas é você manter seu estranhamento com o lugar. Três meses parece ser o tempo justo”, diz Christus Nóbrega, recebendo a coluna Plástica dias antes da partida. “À medida que você passa a diminuir esse estranhamento, com a passagem do tempo, aquele espaço deixa de ser paisagem, no sentido de estar sendo contemplado, e passa a se tornar espaço de prática social.”

Christus colhe um mínimo de conhecimento anterior (“entendimento histórico, geográfico, social, político, étnico”) que o faça entender aonde está indo. Com o cuidado de não formar ideias preconcebidas, de modo que a viagem se torne apenas uma atividade para formalizar in loco algo em que já vem pensando.

Ele ficará sediado em Canberra, uma cidade planejada, criada em 1927 para ser o centro administrativo do país e esfriar a histórica picuinha entre Sydney e Melbourne, as principais cidades australianas, para ver qual delas seria a capital. Só de contar essa história, o paraibano Christus, que há duas décadas vive e trabalha em Brasília, já se sente um tanto mais à vontade com a cidade que o receberá.

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A partir de Canberra, Christus poderá ir e voltar para outros cantos do país. Nessas andanças, espera aumentar sua coleção transcontinental de folhas – que ele começou a juntar numa temporada na Amazônia e à qual pôde dar sequência pelos parques de Pequim.

Quando esteve na China, ele partiu daqui do Brasil com uma única ideia de trabalho artístico já engatilhada. Queria encontrar uma certa enciclopédia chinesa citada (inventada?) pelo escritor Jorge Luis Borges, chamada O Empório Celestial de Conhecimentos Benévolos. Essa era a forma que ele tinha, não sabendo falar mandarim, de se aproximar, abordar outras pessoas.

Para esta viagem à Austrália, ele pretende recriar o trajeto de Priscilla, a Rainha do Deserto (1994). No filme de Stephan Elliott, duas drags e uma mulher transgênero alugam um ônibus e partem de Sydney, atravessando o deserto, até a cidade de Alice Springs, onde se apresentam num cassino.

Christus voltou a ver o filme para anotar os nomes das cidades, as indicações nas placas de estradas, os hotéis que aparecem ao longo do caminho – que existem e estão lá até hoje. Pesquisou a linha férrea que serve à região. Mas não decidiu se vai de trem, ônibus, carro, se vai tentar carona. Não quer decidir isso agora. Ele espera que, chegando ali, a situação se apresente.

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Christus sabe apenas que, essa viagem, ele vai fazer sozinho. Agradece ao anfitriões australianos, mas ele precisa da perspectiva do deserto na sua potência máxima. “Estou muito interessado em ter essa experiência da forma mais plena: o isolamento, o calor, a desidratação do corpo. É o sublime. Estar em confronto com algo que é natural e muito maior, muito superior a você.”

Para além do sublime que o deserto lhe reserva, o interesse de Christus por Priscilla, um filme de mais de 20 anos atrás, como ele gosta de ressaltar, possibilita uma reaproximação com a atualidade. “É uma oportunidade de repensar uma pauta que é tão importante e tão frágil dentro do Brasil atual. Quem sabe não posso lá encontrar alguma Priscilla de verdade? Quem sabe não posso eu ser a própria Priscilla?”

As personagens do filme, lembra Christus, são destratadas durante todo o percurso. Seu ônibus é atacado e pichado. Mesmo a sonhada recepção em Alice Springs não é nada apoteótica. O único momento de real empatia acontece num show, no meio do deserto, que elas improvisam diante de um grupo de aborígenes nômades.

E aqui Christus retoma o fio que ele vem tecendo desde o encontro com as rendeiras em Cabaceiras. O interesse dos australianos por Labirinto tem muito a ver com um momento que tanto Brasil quanto Austrália vivem. Uma busca, lá e cá, por poéticas não europeias e por uma arte contemporânea que dialogue com outras tradições, dialogue com a expressão dos povos nativos.

A Austrália está num momento de repensar a contribuição aborígene dentro de sua cultura, explica Christus. E o CCAS é um espaço em que esse tipo de interesse vem sendo perseguido. Na agenda das visitas que ele fará nesses três meses, estão também uma série de encontros com artistas aborígenes para entender materiais, técnicas, procedimentos.

“Este é um momento de criarmos outros olhares para o mapa-múndi, encontrarmos novos pares, percebermos outras simetrias históricas”, acredita Christus Nóbrega. “A China e agora a Austrália chegaram para mim. Não fui eu que me apresentei a elas. Preciso aproveitar essa oportunidade e entender o que ela representa.”

Bernardo Scartezini/Especial para o Metrópoles
Christus Nóbrega na 206 Norte

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