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Crescimento do PIB não é tendência, mas um “soluço”, diz economista

Para Marcos Mendes, contas púbicas estão desequilibradas e o governo, que é gastão, está fragilizado diante do Congresso, igualmente gastão

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1 de 1 Imagem colorida do economista Marcos Mendes - Foto: Divulgação

Na semana passada, o Banco Mundial elevou a previsão para o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, em 2023. Ela passou de 1,2% para 2,6%. Em contrapartida, a instituição reduziu as estimativas para 2024 e 2025. Elas caíram, respectivamente, de 1,4% para 1,3% e de 2,4% para 2,2%. O que aconteceu? 

Para o economista Marcos Mendes, um dos maiores especialistas em contas públicas do país, o crescimento da economia brasileira neste ano “não é uma tendência, mas um soluço”. Daí, em grande medida, o vaivém do PIB.

Para Mendes, pesquisador do Insper e um dos criadores do teto de gastos, em 2016, a agravante é que os tradicionais voos de galinha da economia estão cada vez mais baixos – e curtos. “Há pouco tempo, quando comemorávamos um ‘pibão’, ele era de 5% ou 7% ao ano”, diz. “Agora, quando se fala em menos de 3%, todo mundo comemora. Ou seja, 3% virou ‘pibão’.”

Para o especialista, neste momento, uma das amarras para um avanço sustentável da economia do país está nas contas públicas de 2024. Ou, mais precisamente, no quadro fiscal criado pelo governo para o próximo ano. Nele, Mendes vê receitas superestimadas e gastos subestimados. A seguir, em entrevista ao Metrópoles, ele discorre esse cenário e trata de suas eventuais consequências para o país.

Qual é o problema do atual quadro fiscal?

O problema é que o Ministério da Fazenda fez uma aposta. Ele achou que conseguiria equilibrar o Orçamento por meio do aumento de receitas. Isso sancionou uma elevação de despesas feita no fim do ano passado, com a PEC da Transição. Acontece que os gastos estão garantidos e as receitas não. Além disso, temos um novo entrave com um desequilíbrio de forças entre o Executivo e o Legislativo. 

Como é esse desequilíbrio?

O Executivo está fragilizado. O Legislativo adquiriu uma autonomia não só no sentido de legislar, mas também para financiar suas ações políticas via emendas, fundo partidário para o financiamento de eleições e coisas assim. Hoje, o Legislativo depende menos do Executivo e toma decisões autônomas, dificultando a vida do governo. Ao mesmo tempo, o ministro da Fazenda (Fernando Haddad) está muito sozinho. 

Como sozinho?

Sozinho dentro do governo porque todo o resto Executivo e o Partido dos Trabalhadores querem aumentar as despesas. Eles acham que equilíbrio fiscal é bobagem, que se faz crescimento econômico expandindo os gastos públicos. 

E qual o risco dessa situação?

É de o Legislativo ir emparedando o Executivo. Ao mesmo tempo, se o ministro da Fazenda perder espaço dentro do governo, isso vai fragilizar ainda mais a política econômica.

Qual pode ser o resultado dessa fragilização? 

Fragilizado, o governo pode aceitar um déficit maior, mudando a meta de déficit zero para o próximo ano e flexibilizando espaço para gastos. Isso acomoda o lado político, mas piora o econômico, deteriora as expectativas econômicas.

Nesse caso, ou teremos mais gastos ou um choque político?

Sim. O Congresso não é uma entidade monolítica. Ele é a soma de 513 deputados federais e 81 senadores. Cada um desses parlamentares tem sua agenda política. E todos têm muitos incentivos para aumentar despesas, seja para atender às demandas de suas bases eleitorais, seja para atender aos grupos de pressão que representam, o que acaba resultando em isenções fiscais, subsídios e muito pouca preocupação com a estabilidade fiscal. 

Alguns analistas acreditam que o Congresso, com um perfil mais conservador, pode conter os gastos do governo. 

Não acredito nisso. Os gastos serão barrados à medida que isso interesse ao projeto político de cada parlamentar. Já estamos vendo uma pressão no Congresso para mudar a meta do resultado primário. Para 2024, ela é de déficit zero, mas o mercado já está estimando um resultado negativo entre 0,8% e 1%. E se houver qualquer mudança da meta, no dia seguinte haverá nova pressão por mais gastos. Em grandes linhas, esse é o jogo que está sendo jogado.

É possível evitar essa situação?  

Sim, se houver uma reversão na economia internacional, algo que provoque o aumento das commodities que exportamos. Nesses casos, teríamos mais dinheiro para acomodar a situação fiscal. Mas isso o governo não controla e não é isso o que estamos vendo. Também pode acontecer o contrário e a situação externa deteriorar. 

E qual é o nó da questão fiscal hoje?

O que temos são receitas superestimadas e despesas subestimadas no Orçamento. Os gastos da Previdência Social, por exemplo, vieram pelo menos R$ 16 bilhões abaixo do que se estima que será a despesa real. Todo ano temos pelo menos R$ 5 bilhões de créditos extraordinários e o Orçamento não contempla isso. Ele também reserva para as emendas parlamentares o valor obrigatório de R$ 37,6 bilhões, que já é muito dinheiro, mas já existe pressão do Congresso para emendas adicionais. As verbas para financiar as eleições do próximo ano foram estabelecidas em cerca de R$ 600 milhões. Mas os partidos já falam em valores muito maiores e assim vai.

O senhor também tem falado em inconsistências do marco fiscal. Quais são?

As metas do resultado primário colocadas no arcabouço não são factíveis, justamente porque as receitas estão superestimadas e as despesas subestimadas. Vai acabar acontecendo o que já acontecia com o “teto de gastos”. Havia um limite e a pressão por gastar mais era maior. Assim, sempre era aprovada uma flexibilização do teto. O detalhe é que, agora, o arcabouço já permite um nível de despesa muito maior e num ritmo mais rápido de crescimento.

Apesar desse quadro, as previsões de crescimento do Brasil estão aumentando. Se a situação é essa, como explicar esse avanço?

São coisas diferentes. O movimento de conjuntura da economia não está totalmente atrelado às questões fiscal e monetária. Então, pode haver fatores sazonais que puxem o PIB para cima, como o boom do setor agropecuário ou uma deflação internacional provocada pela recomposição das cadeias internacionais de fornecimento, o que reduz o preço dos insumos e a inflação. Mas esses aspectos conjunturais podem não se repetir mais adiante. As expectativas de crescimento para este ano de fato aumentaram e estão em cerca de 3%, mas se olharmos para o ano que vem elas giram em torno de pouco mais de 1%. E o avanço deste ano também tem a ver com a situação fiscal.

Em qual aspecto?

Parte desse crescimento decorre do aumento de gastos, aprovado na PEC da Transição, como a elevação do Bolsa Família, que colocou mais dinheiro no bolso das pessoas. Isso faz girar o PIB. Mas, no médio prazo, a capacidade produtiva do país tem um limite. Se o estímulo continuar e esse limite for atingido, em vez de crescimento vamos ter inflação.

O senhor quer dizer que o crescimento de 2023 não é sustentável?

Sim. Ele não é uma tendência. É como um caroço, um soluço. Como tem sido nos últimos 40 anos, em que o país parece decolar, mas são sempre voos de galinha. O pior é que esses voos estão cada vez mais baixos. Mesmo há pouco tempo, quando comemorávamos um “pibão”, ele era de 5% ou 7% ao ano. Agora, quando se fala em menos de 3% de avanço todo mundo comemora. Ou seja, 3% virou “pibão”. 

E existem saídas para essa situação?

Em geral, falo que não enxergo fatores que possam dinamizar o crescimento do país no médio prazo, mas devo fazer uma ressalva. Isso não quer dizer que esses fatores não existam. Eles existem e incluem a produção de energia limpa, o potencial de agregar valor à economia ao interromper a destruição de florestas e ao executar uma política organizada de preservação ambiental, trazendo capital externo para financiar isso também. O problema é que não vejo capacidade no governo de organizar esses mercados de forma que se tornem operacionais, eficientes e lucrativos para o país. Há uma teia de regulação conflitante e não há uma prioridade para resolver isso de forma a maximizar o retorno para o Brasil. 

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