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Análise: na Arábia, Bolsonaro descobre que visitar é ato político

Sucesso nos Emirados Árabes, no Catar e na Arábia Saudita contrasta com ambiente turbulento enfrentado no Brasil

atualizado

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Foto: José Dias/PR
29/10/2019 Encontro com Sua Alteza Real, Mohammed bin Salman, Pr
1 de 1 29/10/2019 Encontro com Sua Alteza Real, Mohammed bin Salman, Pr - Foto: Foto: José Dias/PR

Enviado especial a Riade (Arábia Saudita) – “Eu estou apaixonado pela Arábia Saudita”, discursou o presidente Jair Bolsonaro para uma plateia de autoridades, investidores e empresários locais no último evento oficial de uma intensa agenda em três países da península árabe que visitou nos últimos cinco dias. A fala, apesar de um pouco protocolar, mostra mudança drástica em relação ao tom adotado pelo presidente antes de pisar no local, de que viajava apenas com objetivo “comercial“, não político.

Política foi o que o presidente brasileiro mais fez do outro lado do mundo, a começar pela tentativa de tirar do foco sua relação de admiração por um país com o qual o mundo árabe mantém uma relação de elevada tensão: Israel, que recebeu uma das primeiras visitas internacionais do presidente brasileiro, no terceiro mês de governo.

Cuidadosamente arranjada pelo Ministério das Relações Exteriores desde a volta de Israel, a viagem aos Emirados Árabes Unidos, Catar e Arábia Saudita atingiu o objetivo de mostrar que a aproximação empolgada com os israelenses não era sinônimo de desprezo pelos árabes.

Nos três países, Bolsonaro foi recebido com honras pelos chefes de Estado, tietado por empresários e investidores e ouvido com interesse quando repetia o discurso sobre a nova vocação reformista e liberal em que tenta colocar o Brasil – discurso bem ancorado na recente aprovação da reforma da Previdência.

Mas foi no reino da Arábia Saudita, última parada da viagem que terminou nessa quarta-feira (30/10/2019) – também passou por Japão e China, que o presidente conseguiu sua maior conquista: para além de documentos com a pomposa linguagem diplomática, como memorandos de entendimento e acordos de cooperação, Bolsonaro arrancou dos sauditas o compromisso de investimento de até R$ 40 bilhões de seu Fundo Soberano, irrigado pela maior reserva de petróleo do planeta.

A promessa não tem prazos, mas os sauditas sinalizaram que não estão blefando e convocaram o Brasil para agilizar a criação de um conselho binacional para identificar projetos prioritários. A expectativa é de que anúncios concretos possam ser feitos no período de poucos meses.

Também pareceu sincera a relação de crescente amizade entre Bolsonaro e o príncipe herdeiro do trono saudita, Mohammed bin Salman (foto em destaque), que lidera um esforço de abrir, aos poucos e ainda com regras rígidas, uma das nações mais fechadas do mundo. Esforço que tem como um dos pontos principais a possibilidade de concessão de vistos de turismo para viajantes não muçulmanos, incluindo os brasileiros.

Eterno retorno
Por fim, política também (voltada à sua militância mais fiel) foi o que Bolsonaro fez ao reafirmar, no Catar, que a mudança da embaixada do Brasil em Israel, de Tel Aviv para Jerusalém, não era uma ideia descartada – apesar de, na prática, ser um assunto encerrado com a abertura de um escritório de negócios.

Os resultados da viagem mostram a Bolsonaro que seu papel como presidente é muito mais amplo do que apenas oferecer uma cesta de produtos e colocá-los à venda. Para isso, servem os ministros e assessores. E a titular da pasta da Agricultura, Tereza Cristina, aliás, fez esse papel ao visitar os países árabes meses antes para interceder, por exemplo, pelo frango que a brasileira BRF produz nos Emirados Árabes Unidos.

Paz fora, muita confusão em casa
Apesar de trazer conquistas na bagagem, Bolsonaro chega a Brasília nesta quinta-feira (31/10/2019) para encontrar uma casa bagunçada. É até difícil compreender como o presidente conseguiu, em menos de uma semana, estando do outro lado do mundo e com um fuso horário que o afastava do horário comercial brasileiro, se envolver em tantas confusões – a maioria por iniciativa própria.

De longe, o chefe do Executivo:

1. Não agiu para amenizar a crise do PSL (pelo contrário, disse que a melhor solução seria mesmo dividir as alas rivais em duas siglas); 2. Começou com o pé esquerdo a relação com o presidente eleito de um dos principais parceiros históricos do Brasil, a Argentina; e 3. Provocou uma grande crise institucional com a Suprema Corte do país.

O último e mais barulhento problema, a citação de seu nome na investigação do assassinato da vereadora carioca Marielle Franco (PSol) não partiu do presidente, mas ele conseguiu agravar a situação ao apostar na guerra aberta com um governador que até pouco tempo poderia ser apontado como um aliado.

Resta saber que inspirações o presidente leva ao Brasil após se encantar com países onde valores como democracia, liberdade de expressão e direitos humanos não são levados em grande conta.

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