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Ao Metrópoles, Richarlison fala sobre ativismo, Premier League e Seleção

Fã de Racionais, jogador do Everton e do Brasil compartilhou suas maiores dificuldades na Europa e defendeu a importância de se posicionar

atualizado

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Jan Kruger/Getty Images
Richarlison Everton
1 de 1 Richarlison Everton - Foto: Jan Kruger/Getty Images

Nos últimos meses, Richarlison utilizou suas redes sociais para falar sobre os casos envolvendo George Floyd nos Estados Unidos, João Pedro, no Rio de Janeiro, João Alberto, em Porto Alegre, defender a importância da ciência no combate ao coronavírus, cobrar o fim das queimadas no Pantanal e pedir justiça por Mariana Ferrer e Robson, ex-funcionário do volante Fernando que está preso na Rússia.

Embora a postura engajada esteja em alta entre atletas como LeBron James, Lewis Hamilton, Megan Rapinoe, entre outros, no Brasil, a consciência social ainda é rara entre os pares de Richarlison.

Esse, no entanto, é só um dos motivos que tem feito o atleta de Nova Venécia, Espírito Santo, se destacar. Aos 23 anos, o “Pombo” vem construindo uma carreira sólida na Europa, se tornando titular incontestável do Everton e da Seleção Brasileira.

A jornada de Nova Venécia à Premier League, no entanto, foi longa. Em entrevista ao Metrópoles, Richarlison relembrou alguns dos principais episódios de sua evolução como jogador e cidadão. Confira abaixo:

No mundo, temos visto diversos atletas se posicionando sobre justiça social e racial. Entre eles, Lewis Hamilton, LeBron James, Megan Rapinoe, etc. Aqui no Brasil, no entanto, isso não é tão comum. Por que você acha que isso acontece e qual foi sua inspiração para começar a abordar essas questões?

Eu procuro fazer a minha parte e tento atingir as pessoas de alguma forma, principalmente porque eu sei que posso influenciar muita gente a participar mais e a se importar mais com as suas comunidades e os lugares onde moram.

O Hamilton tem feito coisas muito legais, o LeBron e a Rapinoe, no futebol feminino, também se posicionam e isso faz com que eles sejam exemplos para as outras pessoas. O mais próximo da minha realidade é o Rashford, que se transformou num cara importante para a Inglaterra durante a pandemia, fez uma campanha muito bacana para não deixar faltar comida para as crianças e isso é uma inspiração pra mim, sim.

No lugar de onde a maioria de nós jogadores veio, as pessoas não queriam ouvir o que nós pensávamos. Então, durante muito tempo a gente se calou e é difícil entender que nossa voz pode fazer muito barulho. Acho que quase todos jogadores têm um trabalho social, ajudam as pessoas de alguma forma, mas nem todos querem se posicionar ou falar sobre isso publicamente. É um direito e uma escolha deles, as pessoas têm de respeitar. E é importante também separar as coisas, só porque eles não se manifestarem não quer dizer que não estão fazendo nada.

A música também é uma inspiração para mim. Ela ajuda a abrir a mente para as coisas que acontecem. As pessoas cantam sobre o que elas vivenciam. Acho que o rap e o funk ajudam a gente a ter os olhos sempre abertos para o que acontece no nosso país e na nossa comunidade.

Você está desde 2017 na Europa, jogando em uma das ligas mais competitivas do mundo. O que pode nos dizer sobre sua evolução como jogador e pessoa na Inglaterra? Quais foram os maiores desafios de adaptação, tanto dentro de campo quanto fora?

Foi um grande desafio vir para cá tão novo e meio que de supetão. Estava quase tudo certo que eu iria para o Ajax, jogar o Campeonato Holandês e a Champions League. Mas jogar a Premier League sempre foi um sonho para mim e não pensei muito antes de aceitar a proposta do Watford, depois que o Marco Silva me ligou. Tive muita dificuldade no início, mas acho que as principais foram o frio, a comida e a língua.

No início, quando eu ainda estava morando no hotel, eu só comia hambúrguer e tomava refrigerante. Acabei perdendo 5kg, até começar me adaptar. O frio também foi complicado, teve uma vez que eu joguei sem sentir os meus pés e as minhas orelhas. Até aquela época, eu só tinha morado em cidade quente: Nova Venécia, Belo Horizonte e Rio de Janeiro, então foi um baque muito grande. Dá pra imaginar né?

E a língua acho que é o pior. Foi muito difícil para mim, mas eu coloquei na cabeça que eu iria estudar e não passaria mais perrengue com isso. Hoje acho que já estou bem melhor, meus companheiros até me mandam calar a boca de vez em quando, de tanto que falo (risos). Então, são coisas que todo brasileiro que vier para cá terá que enfrentar.

Falando sobre campo, a velocidade do jogo foi uma coisa que me surpreendeu muito. É diferente do Brasil, onde é mais cadenciado e você tem mais tempo para pensar. Aqui, se demora muito com a bola, a defesa adversária te janta (risos).

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O Everton, durante muito tempo, vem brigando no meio da tabela, mas se reforçou bem nesta temporada, e apareceu como uma das sensações na Premier League. Você sente que tem um time competitivo o suficiente para brigar com o Big Six? E como tem sido jogar com James Rodríguez e trabalhar com Carlo Ancelotti, um dos técnicos mais vitoriosos de sua geração?

O time se reforçou muito, temos um grupo bem mais forte este ano e estamos evoluindo. Tem muitos jovens também, que estão crescendo e ganhando experiência. Acredito que com o Ancelotti no comando a gente tem muito a desenvolver e conseguir por um lugar bem melhor do que os que conseguimos nas duas últimas temporadas. Se Deus quiser, brigando por uma vaga nas competições europeias.

O James é um cara diferente, tem um passe muito bom e vê o jogo de uma maneira que poucos outros jogadores conseguem. É um craque e tem sido muito bom poder jogar com ele. É uma liga nova para ele também, mas ele está se adaptando bem e já mostrou em vários jogos que pode ser decisivo. Da mesma maneira o Ancelotti. É um dos maiores treinadores da história, que já ganhou tudo na carreira e tem essa mentalidade vencedora.

Então, espero que a gente possa ser muito feliz com eles e eu quero ajudar bastante para que o time esteja cada vez em um patamar mais alto dentro da Inglaterra e da Europa.

E falando sobre treinadores, você tem se tornado uma figura essencial na Seleção do Tite. Sente essa responsabilidade maior ou alguma pressão ao defender o Brasil? E acha que o torcedor perdeu um pouco o contato e a paixão pela Seleção?

A coisa que mais me alegra é poder jogar pela Seleção. É a minha casa e eu quero estar sempre nas convocações. Pretendo ainda contribuir para que o Brasil possa ser campeão muitas outras vezes, como fomos da Copa América no ano passado.

A gente tem essa missão de reaproximar o povo da Seleção. São várias coisas que provocaram esse distanciamento. Os jogadores têm ido embora cedo do Brasil, acabam não criando essa identificação com nenhum time daí, então isso complica um pouco. Mas temos que achar uma forma de conquistar a torcida outra vez e acredito que vai muito além do futebol dentro de campo, tem a ver também com demonstrar carinho pelo nosso país e com o povo, que é tão sofrido.

Não que os jogadores não se preocupem, acho que se preocupam e muito, mas precisamos demonstrar mais. Cada gesto que a gente fizer é importante, mostra que estamos atentos e que eles podem contar com a gente. Acho que nós precisamos dar esse primeiro passo.

Depois que o Neymar “vazou” seu número acidentalmente, foi preciso trocar de celular?

Ele mandou bem, né? (risos) Mas acabou sendo bom, porque eu estava precisando trocar de número mesmo (risos). Recebi 50 mil mensagens só no domingo de manhã, e não estou exagerando. No fim, começou a travar meu celular e eu não conseguia mais mexer em nada. A saída foi trocar de chip.

Você é fã de rap. Gosta tanto do nacional quanto o internacional? O que não sai da sua playlist? Quais são seus artistas preferidos?

Eu prefiro o nacional. Rap já é difícil de entender em português, imagina em inglês (risos). Mas eu gosto muito de Racionais MC’s, eles falam muito sobre a realidade e sobre as coisas que acontecem na periferia. Sou fã dos caras e eles estão sempre na minha lista de músicas.

Também gosto muito de funk, quando estava no Rio de Janeiro sempre ia nas batalhas de MC’s e gosto bastante, eles também têm essa pegada de falar sobre o que está acontecendo no ambiente em que eles vivem. Isso faz com que a gente fique sempre ligado na realidade dessas pessoas, a qual um dia já foi a minha e da minha família também. E sobre os artistas preferidos, além dos Racionais tem também o Andrezinho Shock e vários outros que eu curto bastante.

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