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Crítica: Coringa traz Joaquin Phoenix monstruoso, mas não é bom filme

Conhecido pela franquia Se Beber, Não Case!, diretor Todd Phillips entrega longa tortuoso ao contar história de origem do vilão de Batman

atualizado

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Warner Bros./Divulgação
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1 de 1 joker-coringa-joaquin-phoenix5 - Foto: Warner Bros./Divulgação

Não há muito para ver em Coringa, o filme, além da atuação de Joaquin Phoenix, certamente um dos intérpretes mais talentosos da sua geração. Quase cadavérico de tão magro, ele encarna o vilão mais icônico de Batman em sua versão, digamos, mais “crua”: um comediante frustrado de Gotham que coleciona humilhações e traumas, ri de maneira descontrolada, se contorce em uma assustadora dança da solidão e “acorda” como uma espécie de líder anárquico de uma sociedade doente.

Phoenix, seguindo à risca o que já fez em outras performances elogiadas, como em O Mestre (2012) e Amantes (2008), surge possuído na tela. E, de certa maneira, toma o filme para si – o que nem sempre é bom quando há um diretor sem tanta personalidade por trás das câmeras.

É o caso de Todd Phillips, até então associado às comédias. Assinou a trilogia etílica Se Beber, Não Case! e, recentemente, tentou associar o gênero ao thriller de crime em Cães de Guerra (2016). Coringa, por sua vez, não tem nada de engraçado.

Estamos no começo dos anos 1980 em Gotham, a metrópole onde desgraça pouca é bobagem. Desemprego, recessão econômica e um clima abrasivo, tenso nas ruas. Uma cidade que facilmente pode ser confundida com um esgoto a céu aberto. Não por acaso, há uma infestação de ratos.

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Arthur Fleck é só mais um. Humorista sem graça, morando com a mãe, Penny (Frances Conroy) e dado a risadarias histéricas um tanto esquisitas. Quando alguém se assusta com o surto de gargalhadas, ele logo entrega um cartão explicando que se trata de um problema de saúde, um distúrbio mesmo.

Esse sujeito paga as contas alegrando crianças em hospitais, segurando placas para comerciantes falidos, entre outros bicos. Uma noite qualquer, assassina três corretores da bolsa de valores no metrô e tem um despertar. Sem querer (querendo), inicia uma convulsão social dos comuns contra os ricos e as elites. Agora, ao que parece, finalmente o conhecerão. Não como comediante inadequado. Mas como um porta-voz da violência gratuita.

Proposta ambiciosa, filme torto

Toda essa descrição dos parágrafos acima daria um grande filme. Mas cinema não se faz só com grandes atuações. E Phillips não tem muito a acrescentar a não ser endossar tudo o que Fleck representa: um sentimento antissistema que, aqui fora, facilmente vocalizaria certos discursos neofascistas dos últimos anos.

Talvez seja excessivo acusar Coringa de incitar a violência ou algo do tipo. Como arte, porém, o filme só parece funcionar como sintoma simplista e ressentido dos problemas sociais que tanto quer ilustrar: a postura indiferente das autoridades às classes mais necessitadas, o abandono, a exclusão e a solidão na grande metrópole, traumas familiares, entre outras mazelas.

Ah, e sim: doenças mentais. Fleck é obviamente um sujeito com problemas psiquiátricos seríssimos. O filme de Phillips posa de “mais do que um filme de gibi”. Ganhou o Festival de Veneza e busca algum prestígio “sério” ao não integrar (por enquanto) o DCEU (Universo Estendido DC).

Por outro lado, as doenças mentais aparecem no filme da maneira mais ingênua e expositiva possível: no caderno de piadas de Fleck, na forma de um desabafo, ou em discursos prontos, como no encontro dele com seu ídolo midiático, o comediante e apresentador de talk show Murray Franklin (Robert De Niro).

Parte da crítica comprou rapidamente a ideia de que Coringa “quebra” o manual do filme de super-herói ao se mostrar como um profundo e sombrio estudo de personagem. Na primeira hora, ok, talvez. Na segunda, o roteiro abraça as convenções de qualquer outra história de origem, com direito a conexões com a família do então pequeno Bruce Wayne, o Batman.

Outra comparação óbvia, usada até na divulgação oficial, coloca o longa da DC como herdeiro de Taxi Driver (1976) e O Rei da Comédia (1982), dois dos melhores trabalhos de Martin Scorsese, ambos sobre melancólicos atormentados e entregues a delírios de violência. A direção genérica de Phillips não contribui para esse hype.

Um filme deveras ambicioso, mas que jamais dá conta das complexidades que se presta a comentar. No fim das contas, um espelho quebrado de suas próprias intenções.

Avaliação: Regular

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