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Cannes: Karim Aïnouz e “A Vida Invisível de Eurídice Gusmão”

O Metrópoles conversou com o diretor brasileiro sobre seu novo filme, que concorre na mostra Un Certain Regard.

atualizado

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‘Praia do futuro’ Press Conference – 64th Berlinale International Film Festival
1 de 1 ‘Praia do futuro’ Press Conference – 64th Berlinale International Film Festival - Foto: null

Karim Aïnouz é um velho conhecido do Festival de Cannes. Thierry Frémaux, o diretor artístico da competição, o acolheu como um amigo na sessão de estreia do seu novo filme, “A Vida Invisível de Eurídice Gusmão”, alguns dias atrás. (Para quem quer a ficha completa, “Madame Satã” estreou em 2002 e “O Abismo Prateado” em 2011.)

O novo filme se passa inteiramente no Rio de Janeiro, mas não naquele do nosso dia-a-dia. No ambiente temporal dos anos 50, Aïnouz pode misturar autenticidade com imaginação de maneira a criar um universo próprio. “Como é que você consegue traduzir a sensualidade de uma época na imagem?”, indaga. “Antes de pensar em qualquer coisa, eu me pergunto: ‘que tecido que se usava na época? Era de nylon ou era de algodão?’, sabe? ‘Como é que eram as camas? Elas eram feitas sob medida ou elas eram feitas em grande escala?’, ‘Como é que você se limpava? Tinha desodorante, não tinha?’. Perguntas muito concretas.”

Há de se formar um ambiente em que as pessoas realmente vivem, sem um filtro nostálgico. “Filme de época em inglês, costume drama, eu me conecto e parece que os personagens não fazem cocô…” Este aspecto, o sensorial, é um dos melhores atributos do filme. Em uma só palavra, textura. “Você não consegue, em nenhum lugar do Rio de Janeiro, não ter a presença da natureza invadindo um pouco o urbano. Ou numa rachadura, ou com uma planta dentro algo. Isso era um segundo elemento,” conta o diretor, que ainda concedeu um pouco mais de seu processo criativo.

A procura por locações, os cenários reais onde o drama deve ser filmado, se dá através de um produtor de locação, que deve entrar no projeto da mesma maneira que uma atriz, com muita procura e teste. “Quando o cara abre o catálogo, já não dá certo. ‘Valeu, obrigado, vamos procurar outro…’ Tem que ser alguém que vai encontrar uma locação praquele [filme]. O cara abre o catálogo, mostra hospital de época, os mesmos onde todo mundo filma… É muito importante se desviciar disso enquanto diretor, você ir em alguns lugares, que talvez nem seja exatamente o que você brifou pro cara, mas que você vai ter um olhar ali, do Rio [sobre o qual] eu tô querendo falar.”

Este Rio de Janeiro, urbano e verde, é ao mesmo tempo uma força que aliena as vidas de duas irmãs, Eurídice (Carol Duarte) e Guida (Júlia Stockler). As duas são irmãs inseparáveis, unha e carne, até que Guida se apaixona por um marinheiro e com ele foge para a Europa. O elo entre as irmãs é partido, mesmo após seu retorno ao Rio, grávida e abandonada, pelo pai, que deserda a própria filha e passa a ocultar sua existência de Eurídice.

A separação das personagens também ocorreu com as atrizes: “Não tinha diária em que as duas ficavam na mesma locação. Na verdade, elas nunca estão no mesmo lugar a não ser que seja em casa, o que não é tão complicado assim. Mas era muito importante que elas não se vissem. Para fazer com que a personagem sinta o que ela tá vivendo. O diretor tem a obrigação de prover as condições pra isso. Desfazer o laço pra construir a saudade.”

Eurídice se casa com Antenor (Gregório Duvivier), um rapaz de classe alta enquanto Guida luta para arranjar um emprego e construir uma vida para ela e seu filho. Partindo do mesmo lar, ambas seguem rumos diferentes, em condições sociais opostas. Situá-lo no passado não deixa de fazer refletir sobre o presente. “Foi muito mais fácil falar através de uma metáfora do passado do que simplesmente falar frontalmente sobre o presente,” relata o diretor.

“Claro que é um filme político, filme que não é político, que não questiona seu lugar no mundo, eu acho que é só pra passar o tempo. Melhor fazer palavra cruzada, tomar um drinque…”

“O maior problema do Brasil não é a intolerância, é a desigualdade econômica mesmo, isso é fato concreto. Mas eu acho que [juntar] isso com a intolerância realmente é uma bomba atômica, eu acho que é isso que a gente tá vivendo e eu acho que o filme fala disso. E ele fala também de uma certa hipocrisia de uma família de sangue. Eu pessoalmente detesto família de sangue, eu nunca achei a menor graça. Meu maior pesadelo era eu ter que sentar domingo com um monte de gente que eu não gostava, mas que era meu primo, mas que era minha tia… pra poder fazer um almoço. E eu sempre me interessei muito por uma família de escolha, pra mim isso que é família.”

O próprio título do filme foi uma escolha culturalmente política. Aïnouz revelou que, por um longo tempo, ele se chamaria simplesmente “A Vida Invisível”. Só que este nome poderia ser de um filme que se passa em qualquer lugar do mundo. A solução estava no sobrenome de sua personagem: “‘Gusmão’ é um negócio que nenhum gringo consegue falar. Porque tem o til. Eu falei, ‘vamos lá, vamos complicar a vida aqui pra poder tornar as coisas mais específicas’,” conta, rindo.

Em tempos de descaso com a cultura, é importante que o cinema brasileiro se firme pelo mundo, até no nome.

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