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Pacientes esperam até oito horas em prontos-socorros públicos do DF

Reportagem visitou UPAs e hospitais em várias regiões administrativas e encontrou doentes em peregrinação por atendimento

atualizado

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Igo Estrela/Metrópoles
Situação dos plantões noturnos dos hospitais do DF Brasília(DF), 21/03/2019
1 de 1 Situação dos plantões noturnos dos hospitais do DF Brasília(DF), 21/03/2019 - Foto: Igo Estrela/Metrópoles

Com sangramento uterino e grávida de três meses, Érica da Silva Neves, 25 anos, procurou rapidamente o pronto-socorro do Hospital Regional de Taguatinga (HRT), no dia 20 de março, mas recebeu, no local, a notícia de que teria de esperar madrugada adentro para ser avaliada por um ginecologista. Em sua quinta gestação, ela havia sofrido com o aborto de três bebês e temia que a demora provocasse a perda do quarto.

Todas as gravidezes após o nascimento da sua única filha foram consideradas de altíssimo risco por profissionais que a acompanharam nos exames de pré-natal. Por isso, Érica estava assustada e preocupada. “Eu cheguei aqui por volta das 21h, estou sentindo cólicas e dores muito fortes. Foi assim das outras vezes e estou com medo”, contou ao falar com a reportagem, à meia-noite.

O caso de Érica é apenas mais um nos pronto-socorros do Distrito Federal. Quem procura atendimento durante a madrugada nas unidades de saúde pública se surpreende com a aparente tranquilidade externa. O esvaziamento das emergências no período noturno apenas esconde um grave problema interno de falta de profissionais. A depender dos sintomas apresentados, os pacientes são avisados que não adianta esperar, porque não serão atendidos.

Sem informações claras de para onde devem ir, os brasilienses fazem verdadeiras peregrinações por todo o DF em busca de uma consulta. Há casos de pessoas que passam por até cinco unidades de saúde em um único dia antes de entrar em um consultório.

Foi o caso da vendedora Daniele Castro Silva, 23 anos. Com fortes dores de estômago, vômito, diarreia e infecção urinária, ela começou a jornada em busca de tratamento na manhã de quinta-feira (21/3). Primeiro, passou no posto de saúde de Ceilândia. Depois, foi ao Hospital Regional da cidade. De lá, foi orientada a ir à Unidade de Pronto Atendimento (UPA) mais perto e, posteriormente, ao Hospital Regional do Guará e à UPA do Núcleo Bandeirante até, por fim, terminar a romaria na UPA de Samambaia, onde também chegou sem garantia de atenção.

Os sintomas apresentados por Daniele resultaram numa classificação de risco amarela. Com dois médicos no plantão da madrugada, apenas os casos registrados nas cores vermelho e laranja eram recebidos. Por várias vezes, a vendedora pediu para ser vista pelo plantonista, mas foi informada por funcionários de que os profissionais estavam prestando cuidados a quem já estava internado. Ela teria de esperar ou procurar outra unidade. Cansada e sem forças, preferiu aguardar.

Em outubro de 2018, o Metrópoles mostrou o drama de pacientes durante as noites nos hospitais do DF. Filas intermináveis, confusão no atendimento e esperas de até 10 horas ditavam o tom do tratamento dado a quem precisava de atenção. Cinco meses depois, com um novo governo e mudanças no modelo de gestão, a situação ainda está longe de ser resolvida.

A reportagem voltou a sete regiões administrativas, das 23h às 4h de quarta (20/3) e de quinta-feira (21/3). No Plano Piloto, visitou o Hospital Materno Infantil de Brasília (Hmib) e o Hospital Regional da Asa Norte (Hran). A equipe também passou pelos hospitais regionais de Taguatinga (HRT), de Ceilândia (HRC), Samambaia (HRSam) e do Gama (HRG), além das UPAs do Núcleo Bandeirante, de Ceilândia, Samambaia e do Recanto das Emas.

Em todos os locais, a situação na sala de espera era de cadeiras praticamente vazias. Tudo isso por que, da portaria para dentro, a situação era de unidades operando no limite, com todos os leitos ocupados e pacientes internados na sala de medicação.

Com apenas um médico para cuidar de todos os internados, a UPA do Núcleo Bandeirante, por exemplo, aceitava a entrada apenas de pessoas com a classificação de risco vermelha. Em Ceilândia, Samambaia e no Recanto das Emas, os atendimentos eram apenas emergenciais e de casos muito graves (classificação laranja).

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Silvana Aparecida da Silva, 41 anos, saiu de casa no meio da tarde com pressão alta, arritmia, taquicardia e dores no corpo. Ela passou pelo HRT, Hospital de Base e Hran até parar no Hospital Regional de Samambaia por volta de 1h. No último destino, recebeu a classificação amarela e teve de esperar por mais uma hora até ser medicada e liberada. “Nos outros, não deram nenhuma previsão, mas aqui até que foi rápido”, disse, aliviada.

Confusão
No HRT, unidade com a maior lotação entre as visitadas, funcionários informavam a dezenas de pacientes que não havia previsão sequer para fazer as triagens, o que poderia demorar até quatro horas. Uma criança de 4 anos deu entrada no hospital após passar por duas crises convulsivas e em estado de semiconsciência.

O menino chegou desfalecido, roxo. A gente o levou para a triagem, mas a moça disse que, como já tinha passado mais de meia-hora, não era grave. Aí deram a pulseirinha amarela para ele. Depois que eu gritei lá, fizeram uma reavaliação e classificaram como laranja. Tanto era grave que precisaram interná-lo

Izabel Ferreira Silva, 48 anos, avó da criança

Na mesma noite, Antônio Elberto de Almeida, 63 anos, chegou com fortes dores no peito e com a pressão arterial alta. “Nunca demorou tanto. Hoje, eu já estive no [hospital] de Ceilândia e de Taguatinga. Não resolveram nada, porque não tem cardiologista, e me mandaram para cá. Já são cinco horas de espera”, reclamou.

Abrigo x agonia
Por volta das 2h30, já não havia pacientes na emergência de ortopedia e clínica-geral do HRC. Todas as pessoas que ocupavam os assentos eram moradores de rua em busca de abrigo e segurança. No entanto, o clima de tranquilidade não era o mesmo no pronto-socorro de ginecologia e obstetrícia.

Uma mulher que sentia as contrações do parto aguardava nos fundos da sala de espera ao lado do namorado. Ela já aguardava há uma hora para ser recebida pela equipe médica. A reportagem ficou por mais 60 minutos no local, mas a grávida não foi atendida nesse período.

“Precisa fazer o quê para chamarem a gente? Vão deixar o meu filho nascer aqui?”, indignou-se Flávio Santos, pai do bebê, enquanto esperava.

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O marceneiro Juvenil Pereira, 52 anos, foi ao HRG com suspeita de pneumonia. Ele chegou ao local após o fim do serviço de triagem e se dispôs a esperar até as 5h. “Tem mais de 40 minutos que eles não chamam ninguém, mas tem sete dias que eu estou com tosse e, como não tenho a pulseirinha, disseram que eu poderia ir embora se quisesse”, lamentou.

Morador de Valparaíso, o marceneiro disse que muitos habitantes do DF têm feito o caminho inverso e se dirigido a hospitais do Entorno. “No do Céu Azul, o que mais tem é gente de Santa Maria e do Gama.”

Alento
No Hospital Materno Infantil de Brasília (Hmib), a reportagem encontrou uma situação diferente da mostrada no dia 1º de março, quando pais se revoltaram no local com a falta de atendimento. No início do mês, com o pronto-socorro em reforma, uma tenda havia sido montada na área externa próximo ao banco de sangue para receber os pequenos.

Já na última visita ao local, foi verificado que todos os pacientes eram recebidos, e o tempo médio de espera para a primeira consulta era inferior a meia hora. Os exames solicitados pelos médicos eram feitos no local e, nos casos de problemas ortopédicos, as crianças eram encaminhadas ao Hospital de Base.

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Outro lado
Por meio de nota, a Secretaria de Saúde disse ter recebido a saúde pública do DF em situação de caos. Segundo a pasta, todas as providências estão sendo tomadas para melhorar e ampliar o atendimento. “Foi decretado estado de emergência em saúde, o que possibilita realizar ações para reabastecimento da rede e contratação de pessoal de forma mais célere”, diz a nota.

A direção do HRT reconheceu a demora na classificação de risco na noite do dia 20. “Isso se deu porque o hospital está realizando a classificação de todas as especialidades, o que antes não era feito. Isso, somado à grande procura no Pronto Socorro, em momentos de pico, resulta em espera maior do que a ideal”, informou.

Ainda de acordo com o Hospital de Taguatinga, o menino que deu entrada após crises convulsivas foi internado e recebeu alta no dia seguinte. Sobre o caso da demora no atendimento a Érica Neves, a grávida que abre esta matéria, a unidade atribuiu a demora à grande demanda de consultas obstétricas. No entanto, não deu informações sobre o estado de saúde dela e do bebê.

No Hran, segundo a SES, o plantão noturno ocorreu sem intercorrências nem restrições ao atendimento no dia visitado pela reportagem. Por fim, a secretaria informou que as seis UPAs estão sob processo de transferência para o Instituto de Gestão Estratégica de Saúde do Distrito Federal (IGESDF). “Uma das medidas que ele poderá tomar é a contratação de profissionais de forma mais simplificada. Recompondo, assim, as escalas”, finalizou.

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