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Quatro regiões do DF concentram 60% dos casos de violência contra idosos. Veja ranking

Brasília (651), Taguatinga (391), Ceilândia (221) e Guará (134) são as cidades que mais registraram ocorrências do tipo no ano

atualizado

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Rafaela Felicciano/Metrópoles
Mãos de idosas em detalhes
1 de 1 Mãos de idosas em detalhes - Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

O Distrito Federal registrou, de janeiro a agosto deste ano, aumento de 102,4% no número de casos de violência contra idosos, se comparado ao mesmo período do ano passado. Foram 1.341 ocorrências a mais, registradas pela Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF). A região do Plano Piloto foi a campeã em notificações, com 651. Em 2019, esse número foi de 292, uma variação de 359 casos a mais. A cidade com menos registros foi o Varjão, com cinco ocorrências, tanto em 2019 quanto em 2020.

Analisando os dados friamente, sem levar em consideração a proporcionalidade de habitantes, pode-se argumentar que o Varjão é uma região administrativa infinitamente menor que o Plano Piloto, e é verdade. Porém, Ceilândia, cidade mais populosa do DF, registrou 221 ocorrência de maus-tratos a idosos em 2020. São 430 a menos que o Plano Piloto, quarta região mais populosa do DF, atrás, ainda, de Taguatinga e Samambaia.

É no Plano Piloto que se concentra a maior renda per capita do Distrito Federal e isso tem ligação direta com a quantidade de casos, segundo a PCDF, uma vez que os responsáveis legais por pessoas idosas – filhos, netos, irmãos mais novos, cuidadores – acabam assumindo o controle da vida financeira dessas pessoas, muitas vezes com a desculpa do “cuidado”.

Segundo a delegada chefe da Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa, Orientação Sexual e da Pessoa Idosa ou com Deficiência (Decrin), o crime de maus-tratos ao idoso está, muitas vezes, ligado às posses da vítima.

De acordo com a delegada, a cultura ocidental para com o idoso acaba, por muitas vezes, entranhando-se à violência psicológica, ao impedir que a vítima tome as próprias decisões financeiras, quando ela é absolutamente capaz disso. “A partir do momento em que esse idoso começa a ser excluído, a ficar encolhido, no cantinho, é um sinal de alerta. É a porta de entrada para outras agressões, inclusive patrimoniais”, explica Ângela.

Brasília (651), Taguatinga (391), Ceilândia (221) e Gama (130) são as quatro regiões administrativas que mais registraram boletins de ocorrência relacionados a crimes cometidos contra a pessoa mais velha em 2020.

Veja o ranking completo:

Foi no Jardim Botânico, área nobre de Brasília, que ocorreu um dos casos mais sinistros registrados pela PCDF neste ano. Em 4 de junho, por volta das 13h, os investigadores da Decrin flagraram três idosos, de 88, 74 e 63 anos, em situação desumana.

Um homem mantinha a mãe, o irmão e uma mulher, que teria sido funcionária da família durante grande parte da vida, trancados dentro de casa, em “ambiente insalubre, com forte odor de urina sujeira”, como consta no registro policial. Enquanto o suspeito vivia em uma casa maior, de dois andares, as três vítimas eram mantidas em outa edificação, no mesmo terreno, porém, infinitamente menor, com camas sujas e mal cuidadas.

Uma das vítimas dormia na cozinha, em um colchão, que estava em péssimo estado de conservação quando os policiais da Decrin chegaram. A cama do irmão do acusado de cometer maus-tratos era coberta com uma lona azul. Geladeira e panelas estavam vazias. Porém, era no cartão de uma das vítimas que o homem ia às compras e mantinha sua despensa abarrotada de mantidos para si.

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As vítimas foram resgatadas com vida e encaminhadas para instituições de longa permanência, onde permanecem até hoje. O suspeito, um corretor de imóveis de 65 anos, chegou a ser detido, mas pagou fiança e acabou solto.

De acordo com a delegada chefe da Decrin, Ângela Maria Santos, as penas no Estatuto do Idoso são muito baixas e é muito difícil um caso com esses acabar em prisão. Se não houver uma lesão grave ou uma tentativa de homicídio, a punição é branda.

“Precisamos que a medida protetiva de urgência seja estabelecida nos moldes daLei Maria da Penha, onde o delegado já manda o requerimento direto para o Judiciário, num prazo estipulado como a Maria da Penha. E que o juiz tenha o mesmo prazo, para que ele possa decidir pelo, por exemplo, afastamento do agressor do lar, suspensão do porte de arma. Isso é de extrema urgência para que a gente possa combater de forma eficaz a violência contra o idoso”, frisa a delegada.

Central do Idoso

Na tentativa de garantir que o estatuto seja respeitado, e que nenhum morador do DF em idade avançada tenha seus direitos ameaçados ou violados, foi criada a Central Judicial do Idoso. O serviço conta com orientação e atendimento do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) e da Defensoria Pública do Distrito Federal.

O objetivo da central é oferecer uma rede de apoio aos cidadãos idosos na esfera da Justiça. Quando o caso demanda a esfera criminal, a Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) é acionada.

Bianca Cobucci, defensora pública do DF, explica como funciona a rede. “A central atua de uma forma especializada, com o papel de impulsionar a rede. A ouvidoria do GDF encaminha o caso para a ouvidoria da Defensoria, que, por sua vez, a encaminha à ouvidoria da central”, detalha.

“Nós também trabalhamos de forma preventiva. Se identificarmos que um idoso está inserido num contexto familiar violento, a gente se antecipa, faz uma busca ativa e acionando a rede”, explica Bianca.

Em tempos de pandemia, quando por recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) as pessoas têm ficado mais em casa, inclusive em horário de trabalho, a Defensoria Pública do DF criou o Conexão 60+, promovendo uma escuta ativa dos idosos.

No projeto, que tende a continuar mesmo com a chegada da vacina contra a Covid-19, há acompanhamento sistemático, feito por profissionais semanalmente, com registro da evolução dos casos para identificar se os idosos estão inseridos em contexto familiar saudável.

“A maioria dos casos de violência acontece dentro de casa, onde a pessoa deveria se sentir segura. É ali que ela é abusada. Muitos filhos ou responsáveis legais pelo idoso retém o cartão bancário da vítima, quando é ela, muitas vezes, que sustenta financeiramente aquela família. Interditam”, detalha a defensora pública.

O fator afetivo é extremamente importante na hora de definir quem terá a curatela do idoso, se necessário. Quando comprovado que não há condições para o cuidado – de ordem financeira ou até mesmo emocional –, o caso pode ser encaminhado à Justiça, que avaliará uma série de quesitos até chegar a uma decisão. Se ficar comprovada qualquer probabilidade de ineficácia no cuidado demandado, a responsabilidade sobre a pessoa idosa pode ser transferida para o Estado, sem penalização aos parentes.

Denuncie

Caso tenha informações sobre maus-tratos à pessoa idosa no DF, acione os seguintes órgãos:

GDF: 162
Ouvidoria da Defensoria Pública: 2196-4600
Direitos Humanos: Disque 100
Polícia Civil do DF: 197

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