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Lembra do professor Ulisses, do Objetivo? Ele dá aulas grátis de inglês no Pamonhão Kalu

O poliglota Ulisses Neto, 69 anos, improvisou sala de aula no comércio localizado na Asa Norte, onde leciona três vezes por semana

atualizado

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Vinícius Santa Rosa/Especial para o Metrópoles
Homem dá aulas gratuitas de inglês no Pamonhão Kalu
1 de 1 Homem dá aulas gratuitas de inglês no Pamonhão Kalu - Foto: Vinícius Santa Rosa/Especial para o Metrópoles

Quem passou por uma sala de aula do colégio e cursinho Objetivo, em Brasília, a partir dos anos 1980, lembra-se bem do professor alto, alinhado, de voz grave, que costumava cantar sucessos das músicas internacionais para ensinar os alunos a falar inglês. Afinadíssimo, o professor Ulisses não se furtava, sempre que solicitado, a pegar o microfone e soltar o vozeirão no meio ou ao fim das aulas. New York, New York, eternizada por Frank Sinatra, era uma de suas canções preferidas – mas, se desse tempo, o pocket show passava por Beatles, Celine Dion, Tracy Chapman, U2, Pink Floyd, entre muito outros, e até terminava em samba.

O piauiense de Teresina desembarcou na capital federal 51 anos atrás e leciona inglês há 45. Ficou três décadas nas salas do Objetivo, onde ensinou toda uma geração de brasilienses a se expressar em outra língua. Entre eles, o cantor Renato Russo, da Legião Urbana, que também deu aulas do idioma antes da fama; a atriz, apresentadora e humorista Maria Paula (ex-Casseta e Planeta); e Canisso, baixista do Raimundos.

Com graduação na Universidade de Cambridge, mestrado e doutorado em Oxford, todas renomadas instituições inglesas, Ulisses Alves Neto é referência na rede de ensino privada do Distrito Federal. Mas, hoje, ele leva seu conhecimento, três vezes por semana e de graça, a frequentadores de uma “sala de aula” sem portas e lousa, cercada por garçons e pessoas conversando, tendo o trânsito como som de fundo. O novo ambiente de aprendizagem fica em uma das mais tradicionais pamonharias de Brasília, o Pamonhão Kalu, na comercial da quadra 105 da Asa Norte.

Em troca das aulas, o docente de 69 anos recebe a satisfação por ajudar a maior parte dos seus alunos a se prevenir contra uma das doenças crônicas mais comuns nos dias atuais: o Alzheimer. A ideia de improvisar uma classe na pamonharia nasceu há um ano, durante conversa informal entre Ulisses, a dona do estabelecimento e dois amigos. “À época, comentamos um estudo da Universidade de Harvard [nos EUA], sobre a diminuição do risco de se ter Alzheimer quando se sabe um segundo idioma”, relembra o professor, que fez pós-doutorado na instituição norte-americana.

O quarteto, então, reuniu-se para a aula inaugural, semanas depois da conversa. Hoje, mestre e alunos se sentam à mesma mesa, de plástico. Frases em inglês escritas à mão em cartolinas decoram os pilares do estabelecimento e dão ao lugar – ainda mais – um tom de classe.

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Quem vê Ulisses vestido de camiseta e bermuda não imagina que ele fala fluentemente 11 idiomas – além de inglês e português, italiano, francês, espanhol, holandês, russo, grego, japonês, latim e alemão. Já visitou países de todos os continentes e, dizem, desfilou seu porte elegante por passarelas, como modelo, antes de abraçar o magistério em definitivo.

“Sempre odiei inglês. Mas, com ele [Ulisses], consigo aprender facilmente, principalmente por causa da técnica”, elogia a aluna mais assídua do mestre poliglota, a professora aposentada Rita Vasconcelos, 62. Desde abril, ela jamais faltou às aulas. Para chegar ao Kalu, basta atravessar a rua em frente ao apartamento onde mora, na 106 Norte.


Desafios

Enquanto Ulisses leciona, por uma hora, a voz dele compete com o ruído dos carros que passam pela comercial da entrequadra 105/106 Norte. Professor e alunos dão de ombros para o barulho e mantêm concentração nas lições. “O inglês é fundamental, está em tudo que nos cerca e é exigido em provas, concursos. Quem jamais estudou a língua não sabe que o nome desse supermercado do outro lado da rua é inglês”, exemplifica o professor.

A lousa, o mestre improvisa em papéis de tamanho A3 (29,7cm x 42cm), nos quais escreve com pincel atômico. Os estudantes levam essas folhas para casa, para fixarem melhor o conteúdo. Já as lições de casa são elaboradas e impressas pelo professor. Algumas delas são inspiradas em livros utilizados nas mais badaladas universidades estrangeiras, como Harvard e Oxford.

A estudante de direito Rafaela Brito, 27 anos, mora no andar de cima da sala de aula improvisada. Sempre que chega a tempo, junta-se aos colegas e incrementa seu aprendizado antes de subir para o apartamento onde mora. “Ninguém espera que, no meio de um restaurante, um professor com um currículo tão vasto ensine inglês de graça”, afirma.

As turmas das terças e quartas-feiras têm, no máximo, seis alunos. “Nesse caso, prefiro poucos estudantes por aula, porque é mais fácil para mim dar atenção a eles”, explica o professor. Uma das alunas é Lucimar Calil, 64, responsável por disponibilizar o espaço para as aulas em seu estabelecimento.

“Sempre sonhei em aprender inglês. Às vezes, chego cansada, por causa do trabalho. Mas me esforço, porque o método dele é muito bom, atencioso, explica com paciência

Lucimar Calil, empresária

Aos sábados, as turmas têm até o dobro de alunos que as do meio da semana e são compostas por universitários e vestibulandos. Durante as aulas, clientes curiosos pegam carona. Eles se aproximam de mansinho, com olhares atentos. O mestre, então, rompe a inibição deles e abre espaço para se juntarem à mesa – só falta cantar (abaixo, um vídeo raro, feito por alunos, mostra o professor soltando a voz em sala de aula, e em português).

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