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“Google Humano”, mulher cega do DF tem síndrome rara de memória

Síndrome Memória Autobiográfica Altamente Superior faz com que Naiara Fontenelle lembre de episódios marcantes da história e da vida pessoal

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Arquivo Pessoal
Foto de uma mulher segurando um microfone em frente a um teclado
1 de 1 Foto de uma mulher segurando um microfone em frente a um teclado - Foto: Arquivo Pessoal

Já imaginou se fosse possível memorizar com facilidade informações diversas, como datas, conceitos, fórmulas, episódios históricos, números de telefone e letras de música? Essa é uma habilidade possível à certas pessoas. Dotada de uma memória fora do comum, a música, modelo e atriz cega, Naiara Fontenelle, 30 anos, sabe de cor e salteado detalhes de acontecimentos marcantes da história e da vida pessoal.

Quando alguém pergunta, por exemplo, quando Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito pela primeira vez Presidente da República, ela responde de imediato, sem delongas e pausas para pensar: “No dia 27 de outubro de 2002, domingo”. Naiara parece um robô, respondendo prontamente a tudo. Por conta disso, ela diz que o filho Henrique, de 8 anos, a chama de “Mamãe Alexa”.

Essa habilidade de Naiara é popularmente conhecida como “Google Humano”, uma síndrome rara chamada Memória Autobiográfica Altamente Superior (HSAM, na sigla em inglês), na qual a pessoa não esquece de quase nada sobre episódios e conhecimentos que adquiriu ao longo da vida. É estimado que existam apenas 100 pessoas com essa síndrome em todo o mundo. 

“Esses indivíduos apresentam memórias de suas experiências de vida com riquezas de detalhes. Se lembram o que estavam fazendo em um dia específico, qual roupa estavam usando, o que comeram, e até mesmo detalhes de quando eram bebês”, descreve o médico neurologista, Arthur Jatobá.

Naiara gravou um vídeo respondendo 10 perguntas relacionadas a acontecimentos do Brasil e do mundo. Confira:

 

O médico com especialização em neurologia cognitiva e síndromes demenciais explica que há vários subtipos de memória, sendo a episódica a afetada pela HSAM. “Cada circuito de memória envolve diferentes áreas cerebrais. Alguns estudos de imagem mostram que esses indivíduos têm alterações estruturais no cérebro nas áreas que envolvem circuitos de memória, principalmente nos lobos temporais. É como se o “hardware” desses indivíduos funcionasse melhor e de uma maneira mais eficiente do que o normal”.

Segundo o neurologista do Hospital Santa Lúcia, Marcelo Lobo, a síndrome existe há muito tempo, mas só foi reconhecida há cinco anos. “Em geral, essas pessoas têm uma característica de memória excepcional dos episódios. E muitas dessas pessoas utilizam isso para o seu próprio benefício. Elas trabalham, por exemplo, com profissões que exigem da memória, onde se saem muito melhor”, destaca.

No caso de Naiara, a super memória a ajudou a decorar com facilidade o total de 500 músicas, capacidade favorável à profissão de artista. Sem entender sobre notação musical, até porque ela não consegue enxergar, a jovem aprendeu a tocar vários instrumentos por meio do “ouvido absoluto”, como piano, violão, bateria e flauta.

Descoberta

Apesar de sempre ter bom desempenho na escola e não precisar estudar para os exames, Naiara só se deu conta de que era diferente na adolescência. “Os professores de matemática nunca conseguiram entender o meu raciocínio. Como para mim era natural saber de tudo, não tinha percebido que isso poderia ser anormal”, revela.

Arthur Jatobá aponta que o diagnóstico da síndrome é difícil porque nem todos os indivíduos acometidos percebem que tem uma memória excepcional. Para a descoberta é necessário realizar uma avaliação neuropsicológica que detalhe as funções cognitivas desses indivíduos, além de exames de imagem cerebral.

Vantagens e desvantagens

De acordo com a mãe e professora aposentada, Dulce Fontenelle, como ela aprendia mais rápido do que as outras crianças, pulou duas séries do ensino fundamental. “Bastava ela ouvir algo uma vez para não esquecer mais. Eu nem preciso olhar as datas, a Naiara é o calendário. Se ela fosse para o programa do Luciano Huck, Quem quer ser um Milionário, provavelmente acertaria tudo”, brinca ela. 

A mãe ainda conta que Naiara se lembra vividamente de uma lembrança de quando ela tinha apenas dois anos de idade. “Certa vez eu a arrumei para ir ao aniversário do primo com um vestido bem bonito. Lá em casa tinha uma piscina e quando eu olhei ela tinha pulado com a roupa e tudo. Alguns anos depois, ela veio comentar comigo sobre aquele episódio e eu fiquei impressionada por ela lembrar”. 

Por mais que a síndrome gere muitos benefícios, ela também tem pontos negativos. “As vantagens é que eu nunca precisei estudar muito para a prova, consigo guardar inúmeras músicas na cabeça, o que ajuda na minha profissão, e guardo os bons momentos. E as desvantagens é que eu não consigo esquecer das coisas ruins ou das pessoas que me magoaram. Tudo fica muito claro na minha mente e vem no automático, sem eu precisar me esforçar para lembrar”, diz Naiara. 

Sinais

O neurologista Arthur Jatobá elenca os principais sintomas da síndrome:

  • Lembranças de detalhes de eventos da vida (como, por exemplo, o que a pessoa estava fazendo no dia 5 de janeiro de 2006 ou qualquer outra data);
  • Passam grande parte do tempo pensando em coisas do passado;
  • Apresentam hiperfoco (tem grande capacidade de concentração);
  • Tem dificuldade de esquecer eventos negativos, o que pode levar à depressão;
  • Muitos pacientes tendem a comportamentos compulsivos.

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