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Ex-mulher diz que aluno da UnB morto é vítima da negligência do Estado

Segundo Vanice Dantas, Jiwago teve recusado o cadastro para ter acesso à medicação. Secretaria nega registro do estudante

atualizado

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Hugo Barreto/Metrópoles
Vanice
1 de 1 Vanice - Foto: Hugo Barreto/Metrópoles

A ex-esposa de Jiwago Henrique de Jesus Miranda, 33 anos, encontrado morto no sábado (23/6), diz que o estudante de filosofia da Universidade de Brasília (UnB) é vítima da falta de assistência do Estado. “A responsabilidade pela morte do Jiwago é toda do GDF, por negar as medicações que ele precisava, e da UnB, por não prestar o tratamento psicológico. Meus filhos agora estão sem pai e quero descobrir quem matou meu marido. A justiça precisa ser feita”, cobrou, de forma incisiva nesta segunda (25), a chef de cozinha Vanice Silva Dantas, 47.

Jiwago foi achado morto perto do setor residencial da UnB, a Colina, na tarde de sábado. Ele costumava circular por toda a universidade, inclusive à noite. Durante o dia, frequentava as aulas do curso de filosofia. Mas não ia para casa. Dormia em cantos escondidos da UnB, a quem chamava de “mãe”. “Ficava aqui porque queria. Em janeiro, tentei levá-lo para casa, mas ele não quis. Não tinha como mantê-lo lá contra a vontade dele”, garantiu Vanice.

O corpo do estudante foi encontrado por um segurança da universidade. O homem, que pediu para não ser identificado, disse ao Metrópoles que recebeu a denúncia de que o cadáver estava no local por volta das 13h30 do último sábado. “Chegamos lá e a cena era a pior possível. Imediatamente, acionamos a PM”, garantiu, na manhã desta segunda.

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De acordo com o segurança, Jiwago estava caído, de barriga para cima, com um ferimento do lado direito da cabeça. “Próximo ao corpo, havia uma pedra grande e uma telha sujas de sangue. Imediatamente reconhecemos o Jiwago, pois ele estava sempre aqui pelo campus. Tinha os problemas dele, mas nunca foi agressivo conosco. O histórico dele era de perturbação em aulas ou algo do tipo, mas nunca agressão. Às vezes, pedia ajuda com comida”, acrescentou.

Jiwago foi diagnosticado com bipolaridade e esquizofrenia. Segundo a ex-esposa, era acompanhado pela psiquiatria do Hospital da Universidade de Brasília (HUB), mas ela disse que faltou tratamento psicológico. Uma das medicações de uso contínuo prescritas para o estudante era o antipsicótico Olanzapina, 5mg. Ele estaria sem tomar o remédio desde agosto de 2016, ainda segundo a chef de cozinha.

No dia em que o corpo foi encontrado, um segurança chamou Vanice. Imediatamente, ela foi ao local e reconheceu o cadáver como sendo de Jiwago. Nesta segunda, o clima é de perplexidade entre os estudantes que conheciam a vítima, como o aluno do 6º semestre de filosofia Diego Venceslau, 26. “Nunca vi o Jiwago agredir ninguém. Era muito tranquilo. Sempre cantando e fazendo brincadeiras. Mas nem todos gostavam”, disse.

Estudante do 9º semestre de filosofia, Pedro Leon, 22, disse que Jiwago estava sempre feliz. “Tentava interagir com as pessoas. O problema dele era falta de medicação. O encontrei na sexta (22), depois do jogo do Brasil. Perguntei se iria almoçar e ele me disse que estava proibido de entrar no RU (Restaurante Universitário). Vez ou outra, aparecia com marcas de agressão. Fato é que mataram mais um negro e morador de rua”, denunciou.

Nas redes sociais, muitos alunos demonstraram comoção. “Sempre me lembrarei do cara sagaz e de raciocínio rápido”, disse um colega da UnB, em um grupo do Facebook. Os estudantes também lembram de Jiwago fazendo grandes reflexões no CA de Filosofia e no ICC Norte. Apontam também que ele participou da ocupação da universidade, em abril.

O estudante, que será enterrado nesta tarde no Cemitério Campo da Esperança da Asa Sul, deixa dois filhos: um menino e uma menina, ambos de 6 anos. O aluno da UnB teve um relacionamento com Vanice por 13 anos. Mas o casal separou-se há dois e meio, após agressão sofrida por Vanice. “Ele não merecia morrer assim”, lamentou.

O outro lado
Acionada, a Secretaria de Saúde informou que o Olanzapina faz parte da lista de medicamentos fornecidos pelas farmácias de alto curso e que não consta nenhum pedido feito pelo estudante para esse remédio. Para recebê-lo, Jiwago teria de fazer um cadastro, que deveria ser renovado a cada três meses.

O cadastro foi recusado pela farmácia. Não adianta tentarem justificar o injustificável. Meu marido morreu por negligência da Saúde Pública 

Vanice, ex-companheira de Jiwago

Já quanto ao Haloperidol (Haldol), outro medicamento que teria sido prescrito, a pasta ressaltou que o remédio é “padronizado na atenção básica e para atendimento hospitalar, encontrando-se disponível a solução injetável (50mg/ml) e a solução oral gotas (2 mg/ml)”. “A única medicação que ele tomava era a Olazampina”, afirmou Vanice.

Hugo Barreto/Metrópoles
Universidade de Brasília: Jiwago era matriculado no curso de filosofia

 

 

 

Nota da UnB
Em nota, a UnB informou que Jiwago ingressou no curso de ciências sociais em 2004. Foi desligado em 2007, “por não ter cumprido condições acadêmicas obrigatórias para a permanência”. Reingressou em 2009, para o curso de licenciatura em filosofia.

“Desde que entrou para a comunidade da UnB, passou a fazer parte do Programa de Assistência Estudantil, tendo recebido auxílio de diversas formas, em diferentes épocas: moradia (na modalidade pecúnia); socioeconômico; e refeições gratuitas no Restaurante Universitário”, destacou.

Mas Jiwago perdeu os auxílios ao longo do tempo, por descumprir normas relacionadas ao tempo de permanência no Programa de Assistência Estudantil. Em fevereiro deste ano, o estudante deixou de receber o auxílio socioeconômico, ficando apenas com o acesso ao RU.

Neste mês de junho, teria apresentado comportamento agressivo, tendo ofendido e ameaçado servidoras e funcionárias terceirizadas que atuam no restaurante. “Uma delas chegou a registrar queixa na polícia. Por conta disso, estava suspenso do RU desde o dia 14”, informou a UnB.

A universidade diz que Jiwago vivia em situação de rua há, pelo menos, dois anos. “Recebia acompanhamento dos psicólogos da Diretoria de Desenvolvimento Social, do Decanato de Assuntos Comunitário (DDS/DAC) da UnB. Entre os meses de abril e maio, a equipe chegou a ministrar o medicamento que ele precisava tomar diariamente (e que havia sido prescrito pelo serviço de saúde)”, destacou em nota a instituição.

A UnB garante ainda que, ao longo dos anos, o estudante foi diversas vezes levado aos Caps Transtorno, da Asa Norte; Álcool e Drogas, do Setor Comercial Sul; ao Hospital de Pronto Atendimento Psiquiátrico (HPAP); e ao Hospital Universitário de Brasília (HUB). “Recentemente, devido às condições sociais e de saúde de Jiwago, o Decanato recomendou que ele fosse recebido pela emergência do HUB. O hospital estava a postos para acolhê-lo”, afirmou.

Por fim, a UnB garantiu que “lamenta profundamente a morte do estudante e reitera que tomou todas as medidas necessárias para que ele cumprisse sua jornada acadêmica e para que fosse acolhido pelo sistema de saúde”.

 A 2ª Delegacia de Polícia (Asa Norte) investiga o crime como homicídio. Não há suspeito até o momento. O velório de Jiwago está marcado para começar às 13h desta segunda-feira (25), no Cemitério Campo da Boa Esperança da Asa Sul. O sepultamento será às 16h30.

 

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