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Em 4 décadas, número de alunos na UnB com mais de 40 anos subiu 13.000%

Nas últimas quatro décadas, a quantidade de matriculados na graduação da UnB com mais de 40 anos saltou de 19 para 2.592

atualizado

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Breno Esaki / Metrópoles
Universitário com mais de 40 anos - Metrópoles
1 de 1 Universitário com mais de 40 anos - Metrópoles - Foto: Breno Esaki / Metrópoles

Enterrando preconceitos e adversidades, o número de estudantes de graduação com mais de 40 anos na Universidade de Brasília (UnB) saltou de 19 para 2.592 nas últimas quatro décadas. O avanço foi de 13.542%.

Ao longos destes 40 anos, o percentual de alunos de graduação acima dessa faixa etária partiu de 1,4%, chegou a 7,3% em 2003, e, atualmente, está na casa dos 6,6% do total de matriculados.

Os número candidato aprovados pelo vestibular com mais de 40 anos é crescente. Em 1983, 1993, 2003, 2013 e 2022, foram de respectivamente 8, 111, 372, 881 e 1187.

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O irreverente Fernando Mignot Grave (foto em destaque), de 69 anos, é um destes ousados alunos dispostos a ampliar os horizontes do conhecimento independentemente da idade. Ele cursa Teoria e Crítica e História da Arte.

“É tão bonito ouvir que uma senhora de 70 anos se graduou. Para quem quer estudar, digo: ‘faça’. Vão realizar seus sonhos. O retorno é como passar no concurso, ganhar na loteria. Você vai conseguir chegar no objetivo”, disse.

Fernando nunca sofreu preconceito pela idade, mas se colocou no lugar da estudante de 45 anos vítima de etarismo em Bauru (SP). Na ocasião, estudantes mais jovens debocharam da mulher e sugeriram que ela deveria “estar aposentada”.

Segundo Fernando, se alguém for vítima de qualquer discriminação, inclusive por idade, deve enfrentar os agressores com educação. “Tem de encarar e se posicionar”, afirmou.

Fernando por duas vezes estudou a UnB, mas não concluiu os cursos. Ao longo da vida, participou das turmas de Artes Plásticas e Arquitetura, mas parou antes dos diplomas.

Ironicamente, passou no concurso para Fundação Universidade de Brasília (FUB). Cursou diversas faculdades particulares e formou-se em Gestão de Políticas Públicas e de Pessoas.

Antes da digitalização, trabalhou com a produção dos diplomas de mestrado e doutorado.

“Parabéns!”

Após a chegada da era digital, ficou inquieto com o ato de simplesmente enviar um e-mail chamando os estudantes. E, naturalmente, decidiu ir além. “Toda vez eu colocava em caixa alta: ‘Parabéns!”, contou.

O gesto tocou os corações dos estudantes. Fernando passou a receber elogios, presentes, caixas de bombons e até mesmo uma proposta de namoro, respeitosamente recusada, pois ele era um cidadão comprometido à época.

“Fiquei conhecido como o cara dos parabéns com ponto de exclamação. Eu não fiz isso de propósito. Foi natural”, sorriu. E dava dicas de quais papéis os estudantes deveriam usar para imprimir os diplomas.

Os elogios despertaram o sonho de uma nova graduação na UnB. Colegas e as três filhas, motivo de orgulho, começaram a cobrar um mestrado e doutorado de Fernando.

A chave virou na entrega do diploma para um jovem com menos de 20 anos à época. “Me desculpa, mas me dá a sua identidade. Você já beijou na boca? Ele riu. Todos da sala caíram na gargalhada”, lembrou.

Fernando teve o estalo. Optou pela graduação. Estudou e devorou apostilas. Conjugando a paixão pelo mundo artístico e admiração pela UnB, passou pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

Fernando caminha para a conclusão do curso em 2023. “O diploma é um símbolo muito grande. Para mim, resume em uma imagem, uma estética, um pensamento, nas letras, na forma, uma etapa que venci na vida”, cravou.

Aplausos

Apaixonada por museus, Mirian Fochi, de 59, cursa Teoria e Crítica e História da Arte ao lado de Fernando.  A bancária aposentada ama a literatura. No ensino médio, leu toda obra de José de Alencar e Machado de Assis.

“Quero fazer mestrado e doutorado. Meu pai sempre falou que podemos perder dinheiro, mas que ninguém pode tirar o conhecimento da gente. Se pudesse, faria 10 graduações”, confidenciou.

Mirian classificou o caso do etarismo em Bauru como um episódio lamentável e quase infantil. “Uma pessoa nessa idade que se dispõe a estudar é digna de aplausos e não de críticas”, assinalou.

Geografia, vinhos e livros

Edson Vieira, 62 anos, fez o Enem ao lado filho, como uma forma de incentivo. Ambos fizeram as provas na mesma sala. “Foi coisa de outro mundo. Fiquei com medo de atrapalhar ele”, comentou.

Sentaram em extremos opostos da sala. O jovem passou para Comunicação. Logo depois, Edson ingressou no curso de Geografia da UnB. Graduado em Medicina Veterinária, trabalhou como médico-veterinário e bancário, chegando a concluir duas pós-graduações.

Caminhando para a conclusão do curso, Vieira fez a conexão com outro amor: uvas e vinhos. “Minha monografia é sobre a vitivinicultura do Cerrado. Inclusive, pretendo atuar nessa área, se não profissionalmente, por paixão”, disse.

“No meu caso, eu sou um cara ligado aos estudos. Me sinto bem estudando. Isso me agrada. E a gente evolui com isso. Sou amigo de livros, não de armas”, concluiu.

Idadismo

De acordo com a professora associada do Departamento de Enfermagem da UnB Leides Barroso de Azevedo Moura, a comunidade acadêmica classifica o preconceito pela idade como idadismo e ageismo.

“O idadismo tem relação com esse medo e receio de um envelhecer que é visto socialmente como algo que significa perda, redução dos limites de capacidade, autonomia, tomada de decisão, independência”, explicou.

Para a pesquisadora, o preconceito parte de um falso mito, porque o envelhecer é heterogêneo. Existem pessoas de idade avançada com a capacidade física, desempenho e potencial de patamar semelhante às demais gerações.

No entendimento dela, as instituições precisam combater a intolerância identificando as janelas de oportunidade para a sociedade acolher pessoas a partir da sua potência, a despeito da idade.

UnB

A UnB tem destinado uma atenção maior ao tema do envelhecimento. Em 2023, aprovou a Política do Envelhecer Saudável, Participativo e Cidadão. Também conta com o programa Universidade do Envelhecer.

O combate ao etarismo, idadismo e ageismo entrou na pauta da Política de Prevenção e Combate ao Assédio Moral, Sexual, Discriminações e Outras Violências da universidade.

Segundo a secretária de Direitos Humanos e professora da UnB Deborah Silva Santos, a universidade está preocupada em evitar discriminações e quer garantir a plena atenção aos grupos historicamente marginalizados.

A partir de relatórios e demandas das unidades acadêmicas, decanatos de graduação e pós-graduação, a UnB planeja desenvolver políticas para aprimorar o acolhimento dos alunos mais velhos, incluindo a conscientização dos jovens.

“A proposta agora é ouvir a comunidade e ver quais questões querem colocar. A gente sempre na universidade faz essa construção ouvindo os coletivos para além do que a administração está pensando”, explicou Deborah.

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